Hezbollah: Um Poder Híbrido em Ascensão?



O Hezbollah está-se a preparar para reemergir como um jogador poderoso no Médio Oriente.
A Frente Al-Nusra tem estado a atacar o Líbano, a partir de posições nas montanhas Qalamoun (numa quase repetição da Batalha de Qalamoun de 2013); e o Hezbollah jurou retaliar – apesar do Líbano não ter interesse algum em ser arrastado para a guerra síria, ou para qualquer outro conflito na região. Não obstante, o Hezbollah pretende utilizar os recursos libaneses para atingir os seus objectivos.

Desde que a guerra civil síria começou, em 2011, o Hezbollah tem apoiado Bashar al-Assad e contribuído para o manter no poder. O envolvimento do grupo intensificou-se ainda mais desde que grupos jihadistas sunitas (afiliados da AQ; o ISIS e outros) começaram a competir pelo controlo da Síria; tendo assim arrastado o Líbano também para a crise – algo que os libaneses esperavam evitar (já bastava terem de acolher mais de um milhão de refugiados sírios). Mas o ambiente político, no Líbano, tem sido tumultuoso devido ao vácuo presidencial (o Presidente possui poderes constitucionais para agir como chefe das forças armas e de segurança; para nomear e demitir o primeiro ministro e conselho de ministros; para promulgar leis aprovadas pelo orgão legislativo, para propôr leis, aprovar leis por decreto, vetar leis; e dissolver o parlamento).
O PM Tammam Salam, na semana passada, apelou ao “fim do vácuo presidencial que se verifica há 12 meses e que tem paralisado o parlamento, a sua capacidade para legislar, e que ameaça prejudicar o trabalho do governo”; e Nabih Berri avisou de que “A coisa mais séria acerca de fechar as portas à legislação, para além das dimensões políticas e constitucionais, é aproximarmo-nos das linhas vermelhas no que toca à segurança nacional do Líbano e ao reforço da sua estabilidade,” - no entanto o Hezbollah parece estar a bloquear a nomeação de um novo presidente, de modo a empatar o desenvolvimento político libanês enquanto que se dá tempo e espaço a si mesmo para fazer o que quer e bem entende.

Como foi previamente dito, o Al-Nusra, possivelmente em cooperação com o ISIS (especialmente após a colaboração mútua no Campo de Yarmouk), está agora a atacar o Líbano:

1- Ao atacar o Hezbollah, a percepção é de que Bashar al-Assad será também enfraquecido. Por isso, ao derrotar o Hezbollah, um novo flanco será aberto para derrotar o presidente sírio de vez.
2- O campo sunita nunca esqueceu que a Síria foi separada do Líbano após o Grande Líbano ter sido criado pelos franceses e pelos Maronitas; e, por isso, eles agora vêem uma oportunidade de reunir o território e re-estabelecer um Estado Árabe com uma maioria sunita; e quem sabe se não a fundirão com o Estado Islâmico (do Iraque e do Levante [i.e. Síria, Líbano, Israel e Jordânia]).

“O Estado [libanês] não é capaz de resolver este problema...por isso iremos proceder com o tratamento necessário e assumir a responsabilidade e consequências,” – Hassan Nasrallah

Esta afirmação sugere que o Hezbollah está agora pronto a assumir a posição de Força de Defesa Libanesa de facto. E se assim for, o que acontece às armas no valor de $3 mil milhões, financiadas pela Arábia Saudita, que a França enviou para o Líbano de modo a se combater o Jihadismo?
O Hezbollah (um Grupo Terrorista Híbrido), ao denunciar a incapacidade do Estado Libanês para combater o Jihadismo, praticamente anunciou que o Partido de Deus irá desempenhar esse papel; querendo isto dizer que as armas francesas poderão vir a cair nas suas mãos – com os cumprimentos do Reino da Arábia Saudita (que, ironicamente, está a financiar o Jaysh al-Islam – na Síria – de modo a expulsar os Alauítas e os Xiitas do país).
Se este cenário de verificar, isto significará que o Hezbollah terá maior capacidade militar:

• 250 veículos de combate e transporte,
• 7 helicópteros Cougar,
• 3 pequenas corvetas,
• e uma variedade de equipamento de vigilância e comunicações

Poder-se-ia argumentar que não era exactamente este o cenário pretendido pela Arábia Saudita, quando financiou estas armas; mas também se poderia argumentar que talvez fosse.
Os Sauditas (agora ameaçados pelo iblis que alimentaram) estão bem cientes da situação política libanesa, eles sabem do vácuo presidencial, eles sabem que o Hezbollah (um grupo xiita) infiltrou as Forças Armadas Libanesas, eles sabem que incorreram no risco de ver tal armamento nas mãos do Partido de Deus; logo, porquê a decisão de financiar por inteiro tal remessa? A motivação para combater o ISIS, e os seus associados, existiria independentemente de quem controlasse as armas: nem o campo sunita e cristão nem o campo xiita (apoiado pelo Irão) tem interesse em ver tanto o Líbano como a Síria serem tomados por Grupos Extremistas Violentos (seja o ISIS ou o Al-Nusra). Por isso, vale a pena correr o risco – segundo os sauditas. A França pode ter feito o mesmo cálculo antes de ter aprovado a venda, e o subsequente treino. Contudo, este é um jogo perigoso.

O Hezbollah tem agentes em todo o mundo (Brasil, Argentina, Venezuela, Zâmbia, RDC, Quénia, Angola, Moçambique, Europa etc) e se o grupo começar a chamar activos para a guerra no Médio Oriente (MO), o Partido de Deus poderá alargar o alcance das suas acções: ou abrir uma nova frente de batalha com Israel – especialmente agora que o Hamas está ocupado a travar uma quasi guerra civil com os Salafistas, em Gaza; ou dar assistência noutras frentes (e.g. Iémen) a pedido do Irão; e é aqui que o jogo saudita poderá gerar resultados indesejáveis.

O Partido de Deus re-direccionou os seus objectivos principais: já não se concentra em aniquilar a influência dos imperialistas (que são hostis ao Islão), agora concentra-se em aniquilar o poder dos Califa-wannabes (que são hostis aos Xiitas); adiou o estabelecimento de um Estado Islâmico, agora que luta contra o Estado Islâmico; e adiou a destruição do Estado de Israel, agora que Israel é o menor dos seus problemas. Esta re-direcção fez com que o Hezbollah reemergisse como uma força a ser reconhecida, e como um exemplo de quão mais forte poderiam ser as nações árabes se parassem com a obsessão em relação ao Ocidente e a Israel.


(Este artigo foi produzido em cooperação com Cristina Caravaggio Giancchini)


(Imagem: Bandeira do Hezbollah/Wikipedia)

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