Reforma do Conselho de Segurança da ONU: Um Passo Maior Que a Perna?



Muitas são as vozes que apelam à reforma do Conselho de Segurança da ONU (UNSC), porque na sua opinião o presente Conselho não reflecte a nova distribuição de poder - contudo é interessante como essas mesmas vozes se parecem concentrar mais nos lugares permanentes (P5). Mas o que é que constitui o poder e será que a sua distribuição mudou realmente?

Hosli e Dörfler, in Reforming the United Nations Security Council: Proposals, Strategies & Preferences, falaram de três principais indicadores de poder (para reformar o UNSC): tamanho da população, poder económico expressado pelo PIB e o número de convenções a que os estados membros subscreveram (como forma de medir a adesão às regras internacionais).

Tamanho populacional: as nações mais populosas não são as mais poderosas do planeta porque as suas populações não atingiram os níveis de qualidade de vida comparáveis aos dos países ocidentais e alguns asiáticos (pelo menos não por enquanto). Sem qualquer dúvida, uma nação massivamente populada, especialmente quando jovem (como é o caso da Índia), tem um enorme potencial económico; mas quando esse potencial ainda não foi realizado, fará sentido considerar o potencial um indicador de poder?
PIB: sem dúvida, dinheiro é poder. Contudo, no que se faz com esse dinheiro é que está o verdadeiro poder. Sim, países como o Brasil têm um PIB colossal (acima dos biliões de dólares) mas os governos de tais países persistentemente falham na resolução de problemas que raiam à violação dos direitos humanos básicos do seu povo (e.g. no Brasil, há pessoas que vivem sem água potável e sem saneamento básico). Quando um país, independentemente dos seus recursos, tem gente a viver sem o básico não é verdadeiramente poderoso.
Número de convenções: como medida de adesão às regras internacionais - quantos estados patrocinadores de terrorismo subscreveram a convenções da ONU e até contribuem para missões de paz (e.g. Paquistão)? A 'Palestina' subscreveu recentemente a 14 convenções e tratados da ONU, será que segue as regras internacionais quando é governada em parte por grupos considerados organizações terroristas pela UE e pelos EUA, por exemplo?

Após se ter assistido à pobre performance do UNSC em relação à Síria e à Ucrânia, certamente qualquer um poderá sentir-se inclinado a apoiar uma reforma do conselho mas não a qualquer preço e seguramente não baseado em indicadores de poder fictícios.
Se queremos de facto ver o UNSC reformado, deveríamos então no mínimo ter a coragem de admitir verdadeiros indicadores de poder: desenvolvimento económico, financeiro, social e humano (combinados). Claro que agora se poderia poderia argumentar que estes indicadores contradizem qualquer reforma, já que eles assegurariam que o conselho ficasse praticamente inalterado; mas na verdade os indicadores mencionados não são adversos à reforma, já que várias soluções poderiam ser propostas: por exemplo, o P5 poderia evoluir para P9 para se adicionarem países verdadeiramente poderosos (como o Japão, Alemanha, Itália e Austrália).
A composição do UNSC - e especialmente os lugares permanentes - não é uma questão de justiça e igualdade (noções que contradizem a própria Carta da ONU); mas sim uma questão de ter as nações mais exemplares à frente da estabilidade do mundo. Como poderão países que não providenciam o básico ao seu povo (i.e. água potável e saneamento, educação, um sistema nacional de saúde, infraestruturas etc), que são instáveis e corrosivamente corruptos sequer pensar em estar ao leme da segurança e paz mundiais?
Ainda que haja uma certa urgência de mudança, não devemos cair na tentação de perverter o significado de Poder.

"[O] Conselho passou por períodos de anos sem ter entre os seus membros uma nação islâmica significante." -- Embaixador Richard Butler in Reform of the United Nations Security Council

O mandato do UNSC é a "manuntenção da paz e seguranças internacionais". Quando as nações islâmicas mais significantes patrocinam terrorismo e conflitos que perturbam a paz e segurança internacionais (já para não falar na falta de desenvolvimento económico, financeiro, social e humano doméstico), como poderemos sequer cogitar em tomar em consideração a sua adesão ao Conselho de Segurança como membro permanente? Tal sugestão raia a apaziguamento, e como já se viu tais medidas são desastrosas.
As nações africanas, através do Consenso de Ezulwini, propuseram a reforma do Conselho de Segurança já que está "Convencido que África está agora em posição de influenciar as propostas reformas da ONU ao manter a sua unidade de propósito" e imaginam uma representação total no Conselho de "não menos que dois lugares permanentes com todas as prerrogativas e privilégios inerentes aos membros permanentes incluíndo o direito de veto" - de novo, um punhado de países que são sobejamente conhecidos pela sua instabilidade, golpes de estado sucessivos e óbvia violação dos direitos humanos desejam fazer parte da administração da estabilidade mundial.
(NB: os meus irmãos africanos não deverão fazer uma leitura errada das minhas palavras; eu reconheço o desenvolvimento de muitos países africanos nos últimos anos, contudo têm de concordar que ainda não chegaram onde deveriam estar, já que se perdeu muito tempo em conflitos patrocinados pelos russos, depois pelos chineses e agora pelos Islamistas, já para não falar na corrupção; logo, África como um todo ainda tem muito caminho para percorrer no que toca ao desenvolvimento económico, financeiro, social e humano; por isso, porque não se concentrarem nisso primeiro?)

Grupos financeiros como a Goldman Sachs convenceram muitas nações, à volta do mundo, de que eram poderosas e elas (juntamento com muitos peritos académicos) foram na história; não obstante, pergunto-me se a maioria dos países que exige a reforma da UNSC não estará a dar um passo maior que a perna ou, simplesmente, a querer beneficiar do estatuto de estar praticamente "acima da lei" (tal como o Embaixador Richard Butler colocou a questão ao descrever o P5 "Estes membros determinam todos as matérias de importância e estão eles próprios virtualmente acima da lei").

Em suma, a reforma do UNSC deveria ser adiada até que a balança do verdadeiro poder se altere em termos reais, não em termos espúrios.

Comentários

  1. Ainda não compreendi bem como é que países como o Brasil se consideram potências! Ok, têm o potencial de se tornarem países poderosos mas ainda não o são, não quando mal conseguem 'alimentar' o seu povo!

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    1. Olá Anónimo :D!

      Pergunte à Goldman Sachs. Exactamente, não poderia concordar mais.

      Anon, muito obrigada pelo seu comentário :D.

      Um abraço

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  2. Abaixo as Nações Unidas; é um corpo antiquado composto por gente desajustada que, só diz disparates.

    Ao menos o Kadafi fazia rir a bom rir; o seu desrespeito por aquela instituição era fabuloso.

    Bom trabalho, minha linda!

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    1. Olá Lenny :D!

      lol abaixo! LOL o Qadaffi era hilariante; pena que fosse um ditador louco (mas hoje começo a pensar que é disso que os países muçulmanos precisam...olhemos para o presente caos na Líbia).

      Obrigada, linda. E obrigada pelo teu comentário :D - amei.

      Beijocas

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  3. Oi, Max!
    A proposta que o G4 faz para a reforma desse organismo é de ampliação e respondendo a pergunta do anônimo, a candidatura do Brasil se faz por justamente já pertencer ao G4. Seriam somados mais dois países que inicialmente seriam do continente africano, por conhecerem melhor a carência daquele continente e por isso melhor representá-los. Além desses seis novos membros fixos, a proposta é acrescentar mais 4 novos membros rotativos, fazendo com que o conselho de segurança passe a ter 25 membros. Essa é uma das prioridades de governança global para a diplomacia brasileira hoje: tentar aprovar essa proposta que ainda será discutida pelas nações unidas. O objetivo claro é tornar o conselho de segurança mais multilateral, ou seja, que ele possa ouvir mais vozes, de várias partes do planeta.
    Como querer não é poder, não acredito que o Brasil fará parte do conselho. O grupo da américa latina concordaria mas precisaria de uma emenda à carta da ONU e para haver essa emenda seria preciso uma maioria de 2/3, o que é difícil de conseguir, mas o governo brasileiro trabalha nos bastidores. Sinceramente, não gostaria que o Brasil fosse para o conselho - não agora durante esse governo petista.
    A ONU tem mudado a sua forma de conversação e isso quer dizer que ela mesma se reconhece como antiquada - vozes estão sendo ouvidas e não podemos pensar que o resultado do trabalho seja de uma única voz. A advocacia em suas variadas faces nunca teve uma boa reputação. É muito difícil julgar.
    :)
    Beijus,

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    1. Luma, o problema não são os dois terços da assembleia geral, que dizem já estar garantidos embora essas garantias possam mudar da noite para o dia, o problema é que para além dos dois terços da AG é também necessário o voto dos P5, ora assim fica difícil!

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    2. Oi Luma :D!

      Pois, o G4 (Alemanha, Japão, Brasil e India), liderado pela Alemanha, viu uma maneira de começar um debate que - ainda que importante - o grupo sabia que não iria dar em nada; porque os países que controlam a ONU (P5) jamais iriam concordar com a entrada de certos países para o UNSC pelas razões descritas no post e por outras mais políticas.
      Eu acredito que se o Brasil resolvesse os problemas domésticos persistentes, teria a oportunidade de ter uma proeminência maior mas assim não pode ser levado a sério - e como bem disseste há uns tempos atrás, a Alemanha não dá ponto sem nó...

      A proposta do G4 por mais generosa que aparente ser, continua a não fazer sentido porque pertencer ao conselho de segurança é estar ao leme da estabilidade do mundo - esse é o mandato do conselho. Ora, se países instáveis e pobres (sendo a pobreza um factor que a ONU insiste serem a base de instabilidade) que não se conseguem governar, se sentarem permanentemente no UNSC a administrar os assuntos mundiais, não será isso um absurdo e uma contradição da própria carta da ONU? Devemos questionar a agenda desses países.

      Mantenho que os africanos e outros países estejam bem representados na Assembleia Geral; e que por agora, o conselho de segurança ainda deva permanecer intacto até que os países provem o seu verdadeiro valor em termos reais; em termos que se reflictam no bem estar do povo em geral e não só nos livros de contabilidade.

      Para haver uma emenda da carta da ONU é necessário 2/3 da assembleia geral mais a aprovação do P5. Este detalhe per se é que torna todo o debate fútil, porque se começou o pedido de reformas pelo lado errado - fazendo-nos desconfiar ainda mais do processo e das verdadeiras intenções dos requerentes.

      Luma, super comentário: obrigada, linda :D.

      Beijos.

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  4. Max, parabéns por este artigo fabuloso. A menina está a melhorar a cada postagem!
    Eu preferiria lá ter o brasil em vez da China mas como disse a Luma, não com este governo do PT. Mas enfim, é tudo um sonho porque só há duas saídas: ou a morte da instituição ou mudança quando um dos P5 assim o entender!

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    1. Olá Carla :D!

      Obrigada. Ah, generosa! :)
      Embora eu vos compreenda, às duas, faço uma pergunta: se o governo brasileiro neste momento fosse de direita, mas o povo continuasse na mesma situação...faria alguma diferença? O Brasil só poderá juntar-se aos grandes quando resolver os problemas que persistem em assolar o seu povo; e quando chegar ao nível dos países do ocidente (e acredita, tem todo o potencial para isso), então poderá ser considerado realmente poderoso.

      Mas como disse: compreendo-vos à duas porque o governo do PT faz alianças políticas dúbias, que só iriam desequilibrar ainda mais o mundo.

      Carla, super comentário: obrigada :D.

      Um abraço

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  5. Nunca quiseram reforma alguma, somente empurra o conselho a mudar de atitude.

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    1. Olá Anónimo :D!

      Se calhar é isso mesmo...
      Muita obrigada pelo seu comentário :D.

      Um abraço

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