Cabos Sauditas: Leaks à la Carte


No dia 19 de Junho, a Wikileaks juntou-se a um jornal libanês, Al-Akhbar, para iniciar a publicação de mais de 100,000 mensagens sauditas, permitindo-nos ver como a diplomacia saudita funciona e confirmar aquilo que muitos de nós já sabiam há anos: a Arábia Saudita compra o silêncio da Media.
O que é mais interessante acerca desta publicação é o que não foi revelado (ou pelo menos o que as traduções não revelaram). O Ministério dos Negócios Estrangeiros saudita confirmou que a publicação está relacionada com um recente ataque cibernauta, insistindo contudo que alguns dos documentos foram “claramente falsificados”.

Reagindo ao Irão
Uma mensagem de 2012 refere que o Irão estava a receber “mensagens sedutoras da América” e que os EUA pareciam não ter objecções quanto ao programa nuclear pacífico iraniano desde que tivesse garantias, possivelmente por parte dos russos - isto é muito interessante não só porque a presente situação iraniana prova que os sauditas têm motivos para se preocuparem, mas também porque nos remete para a conversa entre o Presidente Obama e o então Presidente Medvedev “Deixe-me ser re-eleito primeiro; depois terei mais oportunidades para fazer com que algo aconteça. (..) Em todos estes assuntos, mas particularmente o sistema de defesa anti-míssil, isto, isto pode ser resolvido, mas é importante que ele [Vladimir Putin] me dê espaço,”. 

Noutra mensagem do mesmo ano, os sauditas referem que o Irão bombardeou as forças do Sudão do Sul durante o conflito de Heglig (uma zona rica em óleo) – no dia 20 de Abril de 2012, o Presidente Sul-Sudanês, Salva Kiir Mayardit, anunciou a retirada das suas tropas da área “A República do Sudão do Sul anuncia que as tropas do SPLA (exército do sul) receberam ordens para se retirarem de Panthou-Heglig,”, logo basicamente o Irão ajudou o Sudão a resolver o conflito e cimentou a sua influência na região. Este evento pode ter impelido a Arábia Saudita a abordar o Presidente Bashir e a tentar recrutá-lo, mas tal como a Acta Sudanesa nos mostrou, o Sudão está a fazer Taqiyya Política: trabalha com os sauditas mas mantém-se leal ao Irão.
[NB: a Wikileaks também expôs uma outra mensagem alegadamente enviada pelo ministro dos negócios estrangeiros Saud al-Faisal ao Rei saudita, na qual o informa acerca do plano sudanês e egípcio para assassinar o Presidente Kiir e uns alguns assessores, em 2011 - mais uma informação que nos faz ver aquelas Actas com outros olhos]

A crescente influência iraniana no Médio Oriente também fez com que a Arábia Saudita planeasse mudar o regime revolucionário baseando-se na “frustração dos cidadãos iranianos e no seu forte desejo de ver uma mudança de regime”, tendo as mensagens revelado sugestões acerca de como “expôr publicamente o descontentamento social do Irão através da internet, redes sociais, tais como o Facebook e o Twitter” e “receber figuras da oposição no estrangeiro, coordenar com elas e encorajá-los a utilizarem galerias para mostrarem fotos da tortura exercida pelo regime iraniano contra o povo” - duvidamos que resulte tendo em conta o temperamento iraniano. O jogo tem de ser outro.

Outra mensagem de 2012 acusa os Emirados Árabes Unidos de ajudarem a Rússia e o Irão a ultrapassarem as sanções internacionais impostas a este último – curioso, especialmente quando na altura nós recebemos informações acerca do envolvimento saudita na mesma questão (mas também é verdade que nem todos os oficiais estão ao corrente de tudo o que o país que servem faz).

Comprar o Silêncio
“A Arábia Saudita controla a sua imagem ao monitorizar a media e ao comprar lealdades desde a Austrália ao Canadá e todos os outros lugares pelo meio.” - Wikileaks

Os sauditas têm duas estratégias no que toca à media: contenção e neutralização.
Neutralização: comprar “o silêncio e a cooperação de jornalistas individuais e de instituições da media”. Estes activos não têm de defender ou louvar o reino saudita, só têm de se refrear de criticar as suas políticas e de manchar a sua imagem.
Contenção: propaganda. Os jornalistas e organizações de media comprados têm de louvar a Arábia Saudita e atacar qualquer entidade que se atreva a publicar/transmitir críticas ao reino.

“Uma das maneiras para garantir a 'neutralização' e a 'contenção' é a compra de centenas ou milhares de subscrições das publicações-alvo. Estas depois têm de retribuir o favor ao tornarem-se um 'activo' da estratégia de propaganda do Reino.” -- idem

Ao ler esta secção no site do Wikileaks, é curioso ver que só a media árabe é detalhada; tendo a media Ocidental sido completamente atirada para a obscuridade, mesmo depois da Wikileaks ter dito que o reino “compra lealdades desde a Austrália ao Canadá e todos os outros lugares pelo meio” - estará a Wikileaks a tentar fazer com que se abra uma investigação a jornalistas individuais e companhias de media ocidentais? Porque seria do interesse público que se fizesse tal investigação, dada as recentes violações do Código de Deontológico levada a cabo pela CNN, BBC, o Público, o Diário de Notícias, o New York Times e outros.

História por contar
Perguntamo-nos qual o verdadeiro propósito de publicar informação que carece de relevância capital, dada a presente conjuntura; por exemplo, as mensagens não expuseram:

  • o financiamento saudita do ISIS e de outros grupos jihadistas Islâmicos
  • a instrumentalização saudita de tais grupos no âmbito da sua política externa para o Médio Oriente e além
  • o jogo-duplo saudita feito com o Irão
  • os activos académicos e da media ocidentais da Arábia Saudita
  • a desestabilização saudita de África como modo de destruir a concorrência

A Wikileaks diz:

“Nós não censuramos a nossas notícias, mas de tempos a tempos poderemos remover ou atrasar por longo tempo a publicação de alguns detalhes cruciais em documentos originais para proteger a vida de inocentes.” [Isto é questionável quando a Wikileaks no passado pôs em risco a vida agentes de segurança que operavam no terreno; mas se calhar estes não são considerados “inocentes”?]

Será que a organização andou a escolher que informação publicar ou deveríamos suspeitar da fonte anónima? A Arábia Saudita afirmou ter sofrido um ataque cibernauta, mas dada a ausência de informação relevante, dever-nos-íamos perguntar se estaremos no seio de uma guerra de desinformação – já que o que até agora foi traduzido não inflige tamanha dôr nem aos sauditas nem aos iranianos.

Estas revelações são mesmo à la carte: divide et impera?

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