Irão vs Arábia Saudita: A Importância das Aparências


Há uma forte possibilidade de que o Irão esteja a ser utilizado como arma contra os Estados Sunitas; e, para esse fim, muitas concessões perigosas poderão estar a ser feitas. Mas que tipo de concessões falamos aqui: o programa nuclear, a expansão de influência ou ambos? Qualquer uma delas é perigosa se não houver um plano para manter os Persas sob controle, após a implementação do plano.

Olhando para o mapa do Médio Oriente (ME), vê-se que a influência iraniana na região está a começar a cimentar-se: com o Hezbollah no Líbano e na Síria, os Hutis no Iémen, o Hamas e a Jihad Islâmica em Gaza, e a sua presença, para dar apoio às forças Xiitas locais, no Iraque onde não só tem sido bem sucedido no combate ao Estado Islâmico, como também tem ganho a simpatia dos locais:

“Eles [Xiitas] são bons, (…) se alguém ficar doente, eles levam-no ao médico nem que seja às 2 ou 3 da manhã (…) Se não fossem eles, o ISIS já nos teria chacinado a todos.” (Jamid [Sunita]; in 'Iraqi, allied forces try to win back Tikrit, win over hearts and minds of residents', CNN, 13 de Março de 2015)

Obviamente, o Irão não precisa da permissão do ocidente para expandir o seu poder no ME; contudo, na política é natural que se tente impedir a expansão de um país, se isso beneficiar os seus interesses nacionais (ou os dos seus associados); logo, a ausência de tal esforço, neste caso, indica que ao Irão se lhe possa ter sido concedido um certo espaço de manobra – uma ideia sustentada pela informação de que "O acordo nuclear com o Irão pode acabar sendo um entendimento verbal sem a existência de um documento escrito".

O Plano
Ao ganhar terreno e ao aumentar o alcance da sua influência, o Irão está a diminuir aos poucos o poder dos países sunitas (Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e outros). Porque é que o Ocidente persegue tal plano? Porque os países mencionados tiveram uma oportunidade de reverter as suas actividades subversivas, e não a aproveitaram.
A Arábia Saudita e o Qatar são conhecidos por patrocinarem a disseminação do Islão, do radicalismo e de grupos terroristas em todo o mundo; no entanto, porque injectaram capital nas economias ocidentais, é politicamente inconveniente impor sanções a esses países (ou até mesmo censurá-los em público). O Kuwait tem estado sob o radar por ser o ponto por onde os fundos que sustentam grupos terroristas são canalizados; mas parece ser um absurdo impor-lhe sanções (ou inclusive criticá-lo) quando se gastaram milhões de dólares em campanhas de Relações Públicas para o transformar em vítima e depois libertá-lo.
Por tudo isto, os políticos ocidentais decidiram que a melhor maneira de desafiar o poder sunita é usar o seu inimigo contra eles – inteligente mas perigoso.

O Perigo do Plano
Mas, e se os sunitas e os xiitas não forem mesmo inimigos?
O lado sunita alimenta a ilusão de que está em guerra sectária aberta com os xiitas (estando para isso dispostos a sacrificar a vida do seu próprio povo), de modo a terem acesso ao mercado de armas ocidental. Os serviços de informação ocidentais suspeitam do mesmo, no entanto convém aos políticos vender-lhes armas afim de ajudar a estabilizar as suas economias; por isso, os sunitas compram armas no valor de milhares de milhões de dólares para se protegerem contra uma potencial ameaça iraniana. Mas olhando para a expansão das actividades iranianas no ME, não estamos a ver essas armas a serem amplamente utilizadas contra os proxies iranianos - na passada quinta-feira, contudo, foi reportado que uma coligação liderada pelos Sauditas atacou, por ar, os Hutis na sua província Saadah (atingindo depósitos de armas e o aeroporto) e Taiz (atingindo a base militar al-Tariq); mas este tipo de ofensiva não é nada de novo (os sauditas estiveram envolvidos em operações similares em 2009, ainda que mais restritivamente) e nada tem a ver com conflitos de ordem sectária, mas sim de ordem política (a Arábia Saudita apoia o Presidente Hadi). Não obstante, agora, devido às negociações nucleares com o Irão, parece ser conveniente passar a imagem de que a crise no Iémen é baseada no conflito Sunita vs Xiita; uma explicação demasiado simplista dos factos.

O lado xiita alimenta o engano de que estão em guerra sectária contra os sunitas (ainda que sejam mais subtis e muitas vezes se façam de vítimas dos Takfiris), contudo fazem acordos com eles se necessário for (e.g. os pactos com o Hamas e o governo sunita do Sudão); pois apesar de tudo, sob a perspectiva iraniana, todos eles têm o mesmo objectivo: a expansão global do Islão.
O Irão busca construir armas nucleares (razão pela qual mantém laços fortes com a China, Coreia do Norte e a Rússia), desenha os seus próprios aviões, barcos e submarinos; leva a cabo exercícios militares e foi dotado de mentes estratégicas brilhantes. A sua tecnologia pode não ser a melhor (quando comparada com outros) mas a sua Equipa SWOT não deve ser subestimada.
A liderança iraniana, na passada quinta-feira, avisou de que a intervenção saudita "conduzirá à disseminação de terrorismo e extremismo na região do Médio Oriente" - outra incongruência (já que tanto o Irão como os Sauditas/Qataris têm vindo a fazê-lo há décadas); o que sugere engano.

Questões Relevantes
1- Se os dois campos estiverem a dormir juntos na mesma cama, e o Ocidente está tacitamente a mudar de lado, como é que a ameaça está a ser combatida exactamente?
2- Se o conflito no Iémen for realmente uma guerra proxy contra o Irão, porque estará este tão tranquilo (indicado pelos seus comentários absurdos acerca da Operação Tempestade Decisiva, liderada pela Arábia Saudita)?
3- Será inteligente descartar a hipótese de que o Iémen esteja a ser usado como campo de teste (i.e. testar a coordenação entre os países da coligação, possíveis cenários, testar as armas compradas, a coesão das tropas etc)?

“Não tenhamos medo de ver o ódio que consome as vidas das centenas de milhares de árabes que  sentados nos rodeiam e esperam pelo momento em que serão capazes de deitar mãos ao nosso sangue.” -- Moshe Dayan

Comentários