Ode ao Emigrante Português



Desde o tempo dos descobrimentos, que os portugueses começaram a emigrar em massa. Primeiro, devido à contingência de ter que popular os novos territórios; depois porque alguns cidadãos nacionais eram enviados para o degredo para as províncias ultramarinas e, finalmente, porque na era moderna as pessoas começaram a emigrar por razões políticas e também financeiras - é a este últimos que hoje vou dedicar as minhas palavras.

Emigrar não é fácil e falo com conhecimento de causa. Quando chegamos ao nosso destino sentimo-nos, verdadeiramente, aquilo que somos: estranhos e sós.
Estranhos porque tudo nos parece multidimensional. A construção às vezes é parecida com a portuguesa, mas subitamente a nossa é mais bonita; as pessoas são pessoas como outras quaisquer, mas repentinamente os portugueses são mais humanos; os dias e as noites nesses lugares são exactamente o mesmo que em qualquer parte do mundo, mas obviamente os dias e as noites portugueses são respectivamente mais acolhedores e mais aconchegantes; os locais de trabalho parecem ser mais perigosamente competitivos, mas convenientemente esquecemo-nos de que em portugal os locais de trabalho estão cheios de invejosos, preguiçosos e bisbilhoteiros; os vizinhos parecem indiferentes e, surpreendentemente, a chocalheira da Matilde em portugal, parece-nos uma querida; nas ruas sentimo-nos atarantados porque ninguém fala lusitano e justamente por isso decidimos esquecer a nossa língua mãe, a fim de nos adaptarmos, como se de uma inferioridade se tratasse ser bilingue ou trilingue; e do pé para a mão, apesar do ajustamento sentimo-nos...sós.

Sim, a pessoa sente-se só no meio da multidão e cheia de saudades do solo português e da Pátria per se. Saudade é a única palavra no mundo a que os portugueses conseguiram, exclusivamente, atribuir um significado senciente.
Um emigrante luso tem saudades do cheiro de portugal; tem saudades das vozes das varinas; das festas populares impestadas com o cheiro da sardinha na fatia de pão, com o cheiro do manjerico e o caldo verde a fumegar; tem saudades das traquinices – que tanto o irritavam – dos filhos do seu vizinho;  tem saudades do café e do pastel de Belém; morre de saudades da ginjinha, do copo de vinho carrascão, da sopa, da sandes de ovo frito, do prego, do pastel de bacalhau e do ovo cozido a repousar sobre sal na tasca do sr. João; ó caramba, até sente saudades dos imigrantes Africanos que outrora aterrorizava porque finalmente percebeu que ele, agora, é o preto do seu local de trabalho; tem saudades da sua vizinha carrancuda do 3º andar; tem saudades de ver jogos do Benfica, do Sporting, do Porto e até do Leiria na TV e de pôr os auscultadores para ouvir o relato na rádio em simultâneo. Enfim, tem saudades da alma e do espírito portugueses.

Os emigrantes são geralmente bem apreciados pelo povo em Portugal, mas alguns snobs acham-nos uns burgessos. Pois eu acho-vos o cantinho mais caloroso do coração português; e do fundo do meu coração quero dizer-vos: obrigada, merci bien, danke schon, muchas gracias, grazie tante, ngassakidila e kanimambo pelas vossas remessas anuais (dois mil milhões, duzentos e ciquenta e quatro milhões, quinhentos e oitenta mil euros), um acréscimo de 12,6% em relação ao ano transacto.
Bem hajam bravos resistentes de Portugal!  

Comentários

  1. Olá Lenny!

    Muitos parabéns por esta ode aos emigrantes Portugueses. Eles merecem todo o nosso respeito pela sua bravura e por representarem Portugal no estrangeiro.
    Aprecio-os ainda mais quando retornam a Portugal com o seu valioso know-how e ajudam o país a avançar - com isto estou a dizer que apoio a visão do nosso PM ao incentivar os Portugueses a emigrar.

    Também sou produto da emigração e tenho muito orgulho nisso.

    Obrigada pelo cadeau e beijocas

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    1. Olá, Max!
      Cuidado, ainda levas com os sindicalistas e os políticos mal intencionados, por estares a secundar a visão do PM.
      Para quê sair daqui e procurar desenvencilhar-se lá fora? Fica em Portugal desempregago, desesperançado e stressado porque ao menos tem-se o subsídio de reinserção social; estás a ver, não?
      Somos todos emigrantes de uma maneira ou de outra.
      Obrigada e Bjcas

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  2. Epá, aqui no Etnias uma pessoa até tem vontade de virar emigrante: o blogue faz da emigração uma coisa chique! Mas de qualquer maneira se eu emigrasse não sentiria saudades dos pregos (que não como) e muito menos das sandes de ovo frito (que horror!). Mas todo o resto sim...quando estamos lá fora sentimos falta aqui do jardinzinho à beira-mar plantado.
    Gostei imenso deste post, Lenny. E aahh, quase que me esquecia: Portugal agradece os €2Bn!

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    1. Hey, Ana!
      Gostas de couratos? Lol,Lol,Lol...
      Eu cá, quando vou para fora, só me apetece os pasteis de nata da pastelaria Carcassonne, as ameijoas à Bulhão Pato do Tioo-Tico e o sabor do peixe da costa portuguesa: sabe a maresia!
      Bjcas

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    2. Epá, Lenny...nunca comi couratos: a Judia em mim não permite ;-)

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  3. Mas bah, guria,
    Nunca morei fora do pais, mesmo assim conheço bem esse sentimento...Sou natural do extremo sul do Brasil e num determinado momento da vida, por força da carreira profissional, fui morar em Alagoas, 4100 km. distantes a minha terra. Lembro bem daquela saudades, era saudades de tudo e de todos, das coisas mais banais ou das pessoas mais estranhas... Saudades, saudades, só saudades! Seu texto de hoje me fez viajar e sentir aquela saudades, agora distante, não em quilômetros, mas no tempo que ficou pra trás...Obrigado por me trazer lembranças tão doces. Finalmente parabéns por sua arte de conduzir o texto por um caminho quase romântico, mostrando os aspectos humanos da emigração para no final, puxar a cortina e mostrar toda a grana que pode estar por detrás disso tudo.

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    1. Eh pá,
      Este comentário massajou, definitivamente, o meu ego; ele é simplesmente fabuloso, muito obrigada!
      Engraçado, as suas saudades trouxeram-me a memória aquele tempo, em Moçambique, quando era menina e moça, e sendo filha de funcionária pública percorriamos o país de lés a lés. Quando começava a compreender o dialecto local e a fazer amiguinhas, já era tempo de ir para outro local e recomeçar.
      Pois bem, os seus 4100 km. relembraram-me, ainda que com ternura, quão interessante e por vezes frustrante foi aquele período da minha vida.
      Agradeço imenso, a sua passagem por aqui!



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  4. Como emigrante agradeço a ode! Saudade é o sentimento que nos acompanha através de toda a nossa jornada longe da pátria! Um grande abraço e enorme bem-haja!

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    1. Olá, Anónimo!
      Espero que, tudo lhe corra de feição, por essas bandas!
      Portugal espera ver-vos em Agosto. Um grande Abraço e obrigada pela sua visita!

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