Um Dia na Praia


Piso na areia quente, na praia do Tamariz (no Estoril); procuro um lugar perto da água e, ao encontrá-lo coloco a minha Kapulana[1] no chão. A seguir tiro os calções, componho as alças do meu fato de banho e protejo a minha pele (com creme solar, SPF 50). Tiro um livro do meu saco; faço uma almofada de areia (debaixo da kapulana), deito-me e começo a ler “Un amour pour rien” de Jean d’Ormesson (da Academia Francesa). O som das ondas relaxa-me...

“Philippe, qui n’a connu que le plaisir, rencontre Béatrice en Italie. Elle lui semble jolie, sans plus, et douce. Philippe s’amuse au début de cet «amour pour rien» qui peu à peu le prend, l’occupe, l’obséde. Bientôt lassé par l’apparente légèreté du jeune home, Béatrice se détourne de lui. Alors, mais trop tard, Philippe comprend que cet amour dont el jouait s’est mué en passion.”

“Philippe, que vive só para o prazer, conhece Béatrice em Itália. Ele acha-a bela, simples e doce. Philippe, a princípio, diverte-se com este «amor sem compromisso» que pouco a pouco se apodera dele, que o consome, que o torna obsessivo. Em pouco tempo, Béatrice, enfadada pela aparente frivolidade do jovem, afasta-se dele. Mais tarde, Philippe apercebe-se, embora demasiado tarde, que este amor que cria ser nada se havia transformado em paixão.”

«Que idiota! [converso comigo mesma] Típico...mas será que é mesmo paixão, amor ou é simplesmente uma questão de possessão...hmmm...!»
Uma família de quatro pessoas passa por mim e, o mais novo atira areia para a minha kapulana, com o seu pézinho; o pai, ao reparar nisto, dá uma chapada no miúdo e diz-lhe“Pede desculpa à senhora, vá!” em estado de choque digo ao “senhor” que não tem problema, afinal estamos numa praia, mas o homem lança um olhar ameaçador ao filho, o miúdo desculpa-se, sorrio ligeiramente e, eles prosseguem o seu caminho...

“Tu sais, me dit-elle, on me fait beaucoup la cour. [Sabes, diz-me ela, tenho sido muito cortejada estes dias] (…) Je te raconte ça, continuait Béatrice, parce que, après ce que tu m’as dit, c’est trés difficile pour moi de toujour résister [Digo-te isto, continuou, porque depois do que me disseste, estou a ser muito dificil continuar a resistir].”
“C’était le chantage. C’était naïf, mais trés classique. Elle essayait de me rendre jaloux [Chantagem, ingénuo mas um clássico. Ela queria fazer-me ciúmes]”…comento «Não, seu burro! Ela está a dar-te uma última oportunidade de falares; se disseres as palavras mágicas ela ficará contigo! Quel con![2]» fecho o meu livro, contemplo o mar e penso «Hedonismo é como uma venda...excitante, prazeroso; e no entanto cega uma pessoa ao amor e às coisas simples da vida...ah, Philippe...não compreendes nada da vida...e a dôr apanhar-te-á...». Continuo a ler...uma hora mais tarde (à medida que o fim se aproxima: Béatrice dorme com vários homens; engravida de um deles; apaixona-se por um homem que só se servia dela para sexo; Philippe segue religiosamente a vida dela como se fosse uma telenovela...ele sofre “Plutôt alors mille fois voir Béatrice morte que de la voir attaché a un autre! [Prefiro ver a Béatrice morta do que vê-la com outro!]; um dia, ela telefona-lhe para lhe pedir que a leve a uma clínica de aborto em Lausanne, ele fá-lo. Philippe alimenta a secreta esperança de que os dois façam as pazes; contudo ela pede-lhe que a deixe em Dijon, onde ela se encontrará com o homem que ama, num hotel.) pouso o meu livro e vou nadar, mas ao pôr o pé na água “Nem pensar! A água está fria pró caraças!» desencorajada, levo água ao corpo com as mãos e retorno ao meu lugar afim de terminar a leitura...

“Qu’il est lent, le temps du Malheur! Les heures passérent, interminables; les jours passérent, interminables; le semaines passérent, interminables; les mois passérent, interminable; et les saisons, interminable. Je ne revis plus Béatrice.”

“Como é lento o tempo da infelicidade! As horas passaram, intermináveis; os dias passaram, intermináveis; as semanas passaram, intermináveis; meses passaram, intermináveis; e as estações, intermináveis. Nunca mais revi Béatrice.”

«Ahh…Philippe…conseguiste estragar três vidas: a tua, a da Beátrice e a do bébé» murmurei enquanto fechava o livro...


Convido-te a ler o relato de um dia na praia do Livingsword: Aqui!


[1] Kapulana = palavra Moçambicana para pano étnico.
[2] Quel con! = expressão Francesa para: que idiota!

Comentários

  1. Muito bom Max, isso que é um dia na praia para ninguém pôr defeito, um sol e um bom livro... uma história intensa.

    beijos

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  2. Oi Adriana,

    Muito obrigada, minha linda :D! Obrigada pela gentileza ;D!

    Beijos

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