Contraterrorismo: Lei Internacional Desactualizada e Perfil Racial

Dante e Virgílio atravessam Cocytus de Gustave Doré

"O Terrorismo (...) tem como objectivo a destruição dos direitos humanos"
(in "Legal and Policy Issues When Countering Terrorism" de Conte & Ganor)


Estarão as leis e convenções internacionais desactualizadas no que toca ao Contraterrorismo (CT)? A maioria das normas e declarações vinculativas foram escritas após a Segunda Guerra Mundial (para evitar que a história se repetisse; e foram/são ratificadas de maneira a fazer com que as nações signatárias se comprometessem/comprometam a aplicar essas normas na lei nacional); contudo, uma vez que o terrorismo - tal como o conhecemos hoje - não existia na altura, é perfeitamente normal que aquelas normas, declarações e leis, não antecipem certos fenómenos tais como a Jihad Global e a Guerra Urbana; limitando, assim, a acção contra este tipo de conflito. Ao contrário das leis internacionais, os cérebros por detrás de actividades terroristas adaptam-se mais rapidamente às mudanças e, aproveitam-se da falta de dinâmica das disposições legais internacionais.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (ECHR) desenvolveu uma doutrina muito interessante: a Margem de Apreciação. Este princípio de lei diz que as autoridades nacionais têm direito a uma certa latitude na resolução de "conflitos inerentes entre os direitos individuais e os interesses nacionais, ou entre distintas convicções morais" (idem). A cada sociedade é-lhe dada margem de manobra no cumprimento das suas obrigações ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Na minha opinião, a Comissão de Direito Internacional (um orgão responsável pelo desenvolvimento da lei internacional e a sua codificação) deveria seguir o exemplo do ECHR e concordar em incluir, nos tratados internacionais, uma cláusula de Margem de Apreciação. Desse modo, a comissão iria ser mais respeitada pelos governos (que tendem a evitar seguir as recomendações do orgão) e iria provar que não se esquiva a "formular princípios baseados em novas questões". Não deveria haver motivo algum (i.e. político ou outro) para que as leis internacionais amarrassem as mãos dos governos no combate ao terrorismo.

No artigo anterior, abordei a tortura vs técnicas de interrogatório mais severas. Neste, como indica o título, abordarei um método investigativo polémico: o perfil racial.
Quando se discute esta técnica, poder-se-á citar:
  • A Recomendação Geral de 2004, emitida pela Comissão para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU (CERD), que dita "que qualquer medida tomada no combate ao terrorismo não discrimine, no propósito ou efeito, com base na raça, côr, descendência, ou origem racial ou étnica ou estereótipos".
  • A Comissão Inter-Americana dos Direitos Humanos que afirma "considerar que o uso de qualquer tipo de perfil, ou métodos similares por um estado, devem cumprir estritamente os princípios internacionais que governam a necessidade, proporcionalidade e não discriminação e devem ser sujeitos a um rigoroso escrutínio judicial ."
  • As Directrizes do Conselho Europeu (para os Direitos Humanos e Combate ao Terrorismo) não referem especificamente nenhum tipo de perfil; ainda que o Artigo 2 (Proibição de Arbitrariedade) diga que "Todas as medidas tomadas pelos Estados no combate ao terrorismo devem respeitar os direitos humanos e os princípios do estado de direito, ao excluirem qualquer forma de arbitrariedade, assim como qualquer tratamento discriminatório ou racista, e têm de ser sujeitos a uma supervisão apropriada."
O perfil racial, como uma medida de CT, é ilegal? É legal se a medida restritiva dos Direitos Humanos é "definida da forma mais precisa possível e necessária e proporcional ao objectivo que se procura atingir" (idem). Ao lidar com a Jihad Global, por exemplo, as forças de segurança irão procurar indivíduos de uma determinada raça e religião; mas eu adicionaria, ao método investigativo, o perfil de nacionalidade porque, como o termo "Jihad Global" sugere, qualquer um que professe o Islão (proveniente de qualquer país à volta do mundo) pode ser usado como um jihadista terrorista; e, logo, a raça ou a cor da pele não serão o suficiente para se apresentar um perfil como deve de ser.
Por exemplo, um jihadista checheno terá pele clara e poderá ter olhos azuis, a Viúva Branca irlandesa é caucasiana, e muitos jihadistas do Magrebe possuem pele e olhos claros (chegando, muitos deles, ao ponto de pintarem o cabelo de loiro para enganarem os ocidentais); o perfil religioso por si só também não é eficaz, porque muitos jihadistas fingirão ser cristãos (ou mesmo judeus) sob a égide da Taqiyya - uma forma de dissimulação religiosa, na qual o(a) muçulmano(a) terá permissão para negar a sua fé se perseguido(a) ou sob ameaça.
Tendo dito isto; uma combinação dos perfis racial, religioso e de origem nacional é "necessária e proporcional ao objectivo que se procura atingir", e logo é considerado legal no combate ao terrorismo.

"Uma vez que o contraterrorismo defende os direitos fundamentais de muitas pessoas para viverem, as medidas de contraterrorismo deveriam ser consideradas como aquelas que são tomadas para a observância dos direitos humanos." (Prof Boaz Ganor).

Comentários

  1. Max, parabéns pelo belíssimo debate que este artigo gerou no teu blogue anglófono: um espectáculo!!! Só gostaria que os lusófonos discutissem estes assuntos com a mesma intensidade que outros, mas enfim...não se pode ter tudo. De novo parabéns e continua o bom trabalho!

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    Respostas
    1. Olá Ana :D!

      Obrigada, minha linda.
      Cada povo é como cada qual...

      Mais uma vez, obrigada pelas tuas palavras.

      Beijocas

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