O TTIP e o Greenpeace: Divulgação Bombástica ou Acusação Infundada?


O debate do TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre os EUA e a UE) está mais quente do que nunca. A crítica a este acordo é feita por causa da nuvem de “secretismo” que envolve as negociações, já que quase ninguém sabe ao certo os detalhes das mesmas – naquilo que foi considerado uma violação das Regras de Transparência a que as instituições da UE estão sujeitas. O Greenpeace teve acesso a documentos que detalham os termos do TTIP e divulgou os documentos para a informação pública; contudo, ao fazê-lo, a organização fez uma grave acusação: o acordo marca o “fim do princípio da precaução” - mas será verdade?

O que é Princípio da Precaução?

O Princípio da Precaução, presente no artigo 191º do Tratado da UE, “Visa garantir um elevado nível de proteção do ambiente por via da tomada de decisões preventivas em caso de risco. Todavia, na prática, o âmbito de aplicação do princípio é muito mais amplo e estende-se igualmente à política dos consumidores, à legislação europeia relativa aos alimentos e à saúde humana, animal e vegetal. Assim, a presente comunicação estabelece directrizes claras comuns relativas à aplicação do princípio da precaução.” (fonte)

A OMC (Organização Mundial do Comércio) também declara que “Os países-membros são encorajados a seguir os padrões, as linhas de orientação e as recomendações internacionais quando existentes. E quando existem, há poucas hipóteses de serem legalmente disputadas na OMC. Contudo, os membros podem utilizar medidas que possam resultar em padrões de exigência mais altos, se houver uma justificação científica. Eles podem também impor padrões mais altos baseados numa análise de risco apropriada desde que o façam de modo consistente, e não arbitrário. E podem também até um certo ponto aplicar o 'princípio da precaução', uma espécie de abordagem que coloca a “segurança em primeiro lugar” ao lidar com a incerteza científica. O Artigo 5º, parágrafo 7, do acordo SPS permite ainda as medidas de 'precaução' temporárias.” (fonte, em inglês)

Greenpeace: J'accuse!

Até ao dia da produção deste artigo, no seu site, a organização disse “O princípio da precaução, disposto no Tratado da UE, não é mencionado no capítulo da Cooperação Regulamentar, nem em nenhum dos outros 12 capítulos obtidos.” (fonte, em inglês)

A Divulgação

Vamos agora olhar para três capítulos que afectam a saúde pública e interesse mais directamente – Agrícola e Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (que lidam com a protecção da saúde das plantas e dos animais) e para a Cooperação Regulamentar – de modo a verificar se de facto o TTIP pretende marcar o fim do Princípio da Precaução. A informação que abaixo se segue foi retirada desta fonte (em inglês).

Capítulo Agrícola

3. [UE: As Partes reconhecem que as suas respectivas escolhas societais podem divergir quanto às decisões políticas que afectam a agricultura. Posto isto, nada neste Acordo irá impedir que as Partes tomem medidas necessárias para alcançar objectivos políticos legítimos tais como a protecção da saúde e segurança públicas, o meio ambiente ou moral pública, a protecção social ou do consumidor, ou a promoção e protecção da diversidade cultural que ambos os lados considerem apropriado. Ambas as Partes buscarão garantir que o efeito de tais medidas não crie obstáculos desnecessários ao comércio de bens agrícolas entre eles e que essas medidas não sejam mais restritivas que o necessário para cumprir os seus objectivos legítimos.]

Aqui trata-se de um simples exercício de interpretação de texto: ainda que não mencione o “Princípio da Precaução” per se, torna-se claro que o capítulo foi feito com a preocupação de proteger a saúde e segurança públicas e, logo, (a UE, por exemplo) garante a capacidade de poder agir assim que estas estiverem a perigo – não será isto, por muitas palavras, uma menção do princípio?

Capítulo da Cooperação Regulamentar

Os objectivos gerais deste Capítulo são:
(a) Reforçar a cooperação regulamentar de modo a facilitar o comércio e os investimento de maneira tal que sustente os esforços das Partes para estimular o crescimento e a criação de postos de trabalho, ao mesmo tempo que busquem um alto nível de protecção do, inter alia, meio-ambiente, dos consumidores, das condições de trabalho, da vida humana, animal e das plantas; da saúde e segurança, dos dados pessoais, da ciber-segurança, da diversidade cultural, ou a preservação da estabilidade financeira; (..)

2. As provisões deste Capítulo não restringem o direito de cada Parte a manter, adoptar e aplicar medidas que cumpram objectivos políticos legítimos, tais como aqueles mencionados no parágrafo 1º, num nível de protecção que considere apropriado, de acordo com o seu quadro regulamentar e princípios. 

A UE escolhe um alto nível de protecção que muitas vezes choca com os padrões internacionais de segurança, contudo a União reserva-se no direito de colocar a protecção dos seus cidadãos em primeiro lugar e instrumentos internacionais conferem-lhe esses mesmos direitos.

Capítulo Sanitário e Medidas Fitossanitárias

[Nota: Em consistência com as recomendações do Relatório Acerca do Trabalho e Crescimento do Grupo de Trabalhos de Alto Nível dos EUA-UE, as Partes buscam estabelecer um capítulo “SPS-plus” baseado nos princípios-chave do Acordo SPS da Organização Mundial de Comércio (OMC), incluindo o que toca à ciência, enquanto se preserva a habilidade de cada Parte para atingir os seus níveis de protecção apropriada no que se relaciona com a vida ou saúde humana, animal ou das plantas.]

A nota repete a mesma ideia, que o anterior ponto, e faz lembrar que a OMC também apoia o respeito pelo princípio da precaução; fazendo, deste modo, com que os EUA se sintam encorajados a respeitar os padrões europeus de segurança.

Nota: provisões adicionais com o objectivo de melhorar o uso da ciência em qualquer tomada de decisão SPS deverão ser pensadas.

Isto está na mesma linha da descrição do Princípio da Precaução “Em particular, onde os dados científicos não permitem uma avaliação completa de risco, o recurso a este princípio pode, por exemplo, ser feito para parar a distribuição ou ordenar a retirada do mercado de produtos que possam ser perigosos.” (Tratado UE) e “membros podem empregar medidas que resultem em padrões mais altos se houver justificação científica” (OMC) – tudo para se certificarem de que a ciência apoia a segurança e a saúde humana e animal; em caso de dúvida, o Princípio é automaticamente accionado.

1. Ao levar a cabo uma apropriada análise de risco às circunstâncias, cada Parte deverá assegurar que toma em consideração: 
(a) provas científicas relevantes à disposição, incluindo dados e informação quantitativos e qualitativos; e 
(b) linhas de orientação relevantes da Comissão SOS da OMC e padrões internacionais, orientações, e recomendações no que toca ao risco da presente questão

Não faz isto parte do Princípio da Precaução? Faz (tal como explicou a Comissão Europeia numa Comunicação acerca do Princípio).

Conclusão

Ainda que seja verdade que o Princípio não esteja directamente mencionado no acordo, está contudo identificado por extenso. E há um propósito nisto: abrir espaço para a negociação, de modo a não fechar portas ao consenso. Não obstante, é óbvio que a preocupação pelo saúde pública e animal, a segurança, os direitos do consumidor, o meio ambiente etc está presente nos capítulos analisados, logo, devemos questionar a declaração peremptória da Greenpeace de que o Princípio da Precaução não é mencionado “no capítulo da Cooperação Regulamentar, nem em nenhum dos outros 12 capítulos obtidos.” quando o princípio é não só se encontra presente no capítulo de Cooperação Regulamentar como também está presente em pelo menos dois outros capítulos – será que a organização tem maus colaboradores (i.e. Sem qualquer capacidade interpretativa) ou será que está a ser financiada por grupos de interesses especiais?

Seja como for, a Greenpeace pode ter se desacreditado com esta acusação infundada.


(Imagem: versão editada - euintheus.org)

[As opiniões expressadas nesta publicação são somente aquelas do(s) autor(es) e não reflectem necessariamente o ponto de vista do Dissecting Society (Grupo ao qual o Etnias pertence)]

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