Os Pilares Que Sustêm a Arábia Saudita: Tribos, Comércio e Religião


Diz-se que a Arábia Saudita está em dificuldades económicas devido à queda dos preços do petróleo; e por causa disso a Família Real está em perigo. Discordamos desta última alegação; mas no entanto, algumas análises (esta e esta) apontam três soluções para evitar um crash económico saudita: medidas de austeridade, liberalizar a sua economia e a modernização da sua sociedade. Mas será tão simples quanto isto?

De acordo com o Professor Asher Susser, da Universidade de Tel Aviv, a Família Real Saudita “casou com membros dos grupos tribais, da classe empresarial e o clero” querendo isto dizer que a estabilidade da Arábia Saudita tem como alicerces três pilares: tribal, empresarial e religiosa. Por isso, como poderá uma crise económica afectar estas colunas?

Grupos Tribais

O sistema tribal arábico é um dos poucos exemplos de como este sistema político poderá funcionar eficazmente numa sociedade. Reza a história que cada tribo mantinha uma determinada área geográfica sob o seu controle, na qual controlava as pastagens e os furos de água.

O Rei Abdul Aziz, a dada altura da sua vida, refugiou-se entre a tribo Al-Murrah que lhe transmitiu um conjunto de ensinamentos como “a pureza e a força da vida dura do deserto” e o “costume da hospitalidade na vida beduína e (..) os direitos do pasto e o controle dos poços. Ele compreendeu que a força depende da unidade e que a sobrevivência da maioria dependia de conceitos invioláveis como a lealdade.” (fonte) Logo, não é surpresa alguma que a Guarda Nacional Saudita tenha uma unidade composta somente por elementos dos Al-Murrah.

Classe Empresarial

Em regra geral, a classe empresarial coloca-se sempre ao lado do establishment desde que os seus interesses estejam a ser servidos. Não é diferente na Arábia Saudita, onde esta comunidade é uma teia intrincada tecida com linha de seda Real: a comunidade empresarial saudita é composta por membros da família real, notáveis tribais (que geralmente casam com elementos da realeza), os burocratas e os novos empresários (que compõem a classe média e os abastados do reino).

O meio ambiente empresarial saudita foi deliberadamente construído de modo a beneficiar os cidadãos nacionais, tanto que – segundo Kiraz Aziz Chaudry (na obra “The Price of Wealth:  Economies and Institutions in the Middle East) - “O sistema de distribuição foi deliberadamente construído para facilitar a entrada de nacionais para posições intermediárias entre o governo e as empresas estrangeiras.” E apesar de muitos Príncipes, burocratas e novos empresários (intermediários, mercadores etc) quererem ver um mercado saudita mais liberal e moderno, de modo a aumentar as suas oportunidades de negócio, infelizmente eles vêem-se barrados por um bloco enorme chamado Ulema (o clero).

O Establishment Religioso

A Ulema saudita – mais conhecida como os Wahhabis (ou Salafistas, como preferem ser chamados) – mantém uma aliança com a Família Real há mais de dois séculos. Os Salafistas ofereceram o seu absoluto apoio à Realeza em troca do total controlo do sistema legal saudita. Esta troca foi um presente envenenado, já que embora ele fizesse total sentido no princípio do século XX, no século XXI aquele representa um enorme desafio – especialmente agora que o reino se depara com dificuldades económicas, necessitando de uma modernização e mudança.

Os Salafistas são adversos à modernização, a qual consideram uma violação da pureza do Islão. Logo, se o Rei Salman deseja modernizar o seu reino, terá problemas com o pilar religioso; a não ser que ele explique a necessidade estratégica de abraçar certos aspectos da vida moderna: por exemplo, se a Arábia Saudita não seguir a tendência universal de energia limpa, ela será forçada a engolir o seu petróleo; sem rendimentos oriundos da indústria petrolífera, o reino não terá mais como sustentar os seus programas sociais e, eventualmente, terá de deixar de ser um Estado Rentier (um estado cujos rendimentos provêm quase na sua totalidade da venda de recursos naturais e não de impostos).

Parar de ser um estado rentier significa que o governo terá que começar a cobrar impostos; a Tributação significa representação popular, querendo isto dizer que as pessoas começarão a exigir coisas que até agora não podiam; e se elas ganham esse poder político, a Família Real poderá sempre adaptar-se (i.e. formando uma monarquia constitucional) mas a Ulema poderá não sobreviver tal revolução – a não ser que utilize o ISIS ou a Al-Qaeda para fazer o seu trabalho sujo, o que iria manchar gravemente a sua imagem de piedade. Em suma: a crise económica, e suas soluções, poderão não ser convenientes para o establishment religioso saudita.

Conclusão

O Rei Salman poderá impor medidas de austeridade ao seu povo (é tudo uma questão de lhes explicar a situação), poderá liberalizar o mercado (uma versão saudita que vá de encontro com os preceitos da Shariah) e poderá ainda convencer a Ulema a modernizar o país (mais uma vez, numa versão saudita) mas estes não serão os factores que poderão deitar a abaixo a Família Real Saudita. Para provocar a sua queda (partindo do princípio que jamais mudarão), bastaria atingir um ou dois dos pilares que os sustentam:

Pilar Tribal: É quase impossível destruir este pilar porque a sua composição foi inteligentemente integrada em todos os segmentos da sociedade (governo, comércio e defesa) – e como apoiamos o sistema político tribal, exactamente porque torna mais difícil a penetração e a conquista de uma sociedade, nós temos imenso respeito e admiração por este pilar. Não obstante, fazendo o papel do advogado do diabo, pode-se sempre dizer que há uma maneira de penetrar se levarmos em consideração a realidade saudita hodierna “as novas categorias de estatuto criadas, que começam a competir com as afiliações tribais, estão a minar a sua importância na hierarquia social” (fonte) – por outras palavras, este pilar de suporte poderá sofrer uma erosão com o passar dos tempos, que se explorada como deve de ser poderá dar frutos.

Pilar Empresarial: De momento é extremamente difícil destruir esta base de apoio dada a sua composição (realeza, notáveis tribais, burocratas e novos empresários); contudo, se a ganância e a ambição forem devidamente exploradas, só o céu é o limite; especialmente agora que o Reino se prepara para se liberalizar e modernizar devido à crise económica – uma crise que apresenta várias oportunidades.

Pilar Salafista: Este pilar é o mais frágil de todos, apesar de uma aparência de força. A obsessão Salafista com a pureza islâmica, juntamente com a adopção de uma posição anti-modernidade, é onde reside a sua fraqueza. Se a Ulema reagir através da supressão do povo, este insurgir-se-á contra ela; e se usar os seus proxies (ISIS/AQ) para manter os sauditas na ponta dos dedos, irá prejudicar a sua pia imagem e perder apoio popular. Para além do mais, se se descobrir qual o pilar que sustenta o pilar então talvez se encontrem as necessárias fissuras.


(Imagem: Arábia Saudita - Imagekind)

[As opiniões expressadas nesta publicação são somente aquelas do(s) autor(es) e não reflectem necessariamente o ponto de vista do Dissecting Society (Grupo ao qual o Etnias pertence)]

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