Nota: a Inconveniência de Ter Uma Definição Universal de Terrorismo


Qual seria o significado de universalmente definir terrorismo como “o uso intencional, ou a ameaça do uso, de violência contra civis ou contra alvos civis para atingir objectivos políticos (...)”?  Usar oficialmente a definição do Professor Boaz Ganor implicaria que os números de ataques terroristas iriam descer consideravelmente, removendo assim a capacidade por parte dos governos de  capitalizar politicamente com eles e de obter apoios quando quisessem implementar certas políticas bélicas. Neste artigo, iremos utilizar o exemplo do Mali.

Segundo o START, o Mali sofreu 199 ataques terroristas entre 1990 e 2014, que resultou na morte de 725 pessoas, no total, incluindo os 178 atacantes. 70% dos ataques foram perpetrados entre 2012 e 2014. Neste período, os alvos mais comuns foram militares (28%) e diplomáticos (25%). Os alvos comerciais são raramente atacados, sendo um dos poucos exemplos o recente ataque a um hotel em Bamako. Somente três organizações foram responsáveis por 72% de todos os ataques:

  • MUJAO (Movimento pela Unidade e Jihad na África Ocidental), 38%
  • AQIM (Al-Qaeda do Magrebe Islâmico), 17%
  • MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad), 17%

Revisão da Definição de Terrorismo de Boaz Ganor
"Terrorismo é o uso intencional, ou a ameaça do uso, de violência contra civis ou contra alvos civis para atingir objectivos políticos (...) baseado em três elementos importantes:
A essência da actividade (i.e. uma actividade que não envolva o uso, ou ameaça do uso, de violência não será definida como terrorismo).
O objectivo da actividade é sempre política (i.e. na ausência de um objectivo político, a actividade levada a cabo não será definida como terrorismo).
Os alvos são civis (i.e. todos os actos são propositadamente direccionados a civis; o que separa actos terroristas de outros tipos de violência política [e.g. guerra de guerrilha e insurreição civil]."
Se aplicarmos esta definição ao exemplo do Mali, apercebemo-nos de que mais de metade dos ataques não seriam considerados terrorismo uma vez que se tratam de objectos militares (NB: a maioria dos alvos considerados Diplomáticos eram Missões de Paz/Estabilização da ONU, ou seja, tecnicamente um alvo Militar); logo, atacar tais alvos deveria ser enquadrado no campo de violência política, no máximo. Perante este facto, 53% dos 199 ataques terroristas levados a cabo no Mali não representariam actos de terror. Tal consideração teria um enorme impacto político porque não iria atrair o mesmo nível de simpatia internacional que atraiu sob a classificação de terrorismo – e o ataque a forças militares, teria outras implicações que não serviriam os interesses dos países num determinado contexto político.

Não considerar 53% dos ataques no Mali como terrorismo comporta ainda outra consequência: é que os três grupos que perpetraram esses actos não seriam considerados movimentos terroristas, e logo entidades ilegítimas, mas sim ou movimentos de guerrilha acompanhados de um certo grau de legitimidade ou, no pior cenário de todos, organizações criminosas à la Cartel que devido ao sucesso das suas operações são um indicador do nível de incompetência e perda de controle das autoridades.

Conclusão
Concordamos todos que existe a necessidade de haver uma definição universal de terrorismo se queremos mesmo combatê-lo globalmente de forma eficaz. Contudo, parece haver falta de vontade política de fazê-lo quando o país A define terrorismo como qualquer ataque contra pessoas e governo (como se houvesse alguma equivalência entre o povo e o governo [um grupo de indivíduos que muitas das vezes toma decisões que afectam negativamente a vida das pessoas em total impunidade]); quando o país B defende uma definição que inclui a crítica contra o regime/partido no poder; e quando o país C define terrorismo como tudo aquilo que contradiga a sua agenda. Entretanto quem paga o pato é a população civil.

O lucro político não deveria atropelar a Segurança das pessoas.

(Imagem: Auto-Retrato com a Morte a Tocar Violino - Arnold Böcklin)

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