UNGA 2015: O Discurso Convencional do Presidente Putin



O Presidente russo usou o seu discurso para justificar a presente composição do Conselho de Segurança da ONU, para avisar acerca dos perigos da reforma do conselho e para fazer acusações contra o Ocidente. O presidente também falou brevemente da Ucrânia, e explicou o papel que a Rússia desempenha na Síria. Curiosamente, o Irão e Israel estiveram ausentes do seu discurso.

Mensagem para a América
“Sabemos todos que após o fim da Guerra Fria, emergiu no mundo um único centro de domínio. E então aqueles que se encontravam no topo da pirâmide viram-se tentados a pensar que se eram tão fortes e excepcionais então sabiam, mais que toda a gente, o que fazer; e perguntaram-se porque deveríamos reconhecer a UN que (..) se 'coloca no nosso caminho'.”

A Rússia ainda está ressentida por ter perdido a proeminência que gozava na Guerra Fria e, aparentemente, Vladimir Putin acredita que o mundo precisa de regressar a um estado de polarização porque a hegemonia dos EUA, na sua opinião, causou anarquia – e logo, desestabilização. A acusação de que os EUA não respeita a ONU não só é falsa como também é aplicável à Rússia, um país que desafia a ONU e a lei internacional, vezes sem conta, e que faz uso do seu lugar o UNSC para bloquear resoluções contra si.

“Também nos lembramos de certos episódios na história da União Soviética. 'Experiências Sociais' para exportação (..) Parece, contudo, que em vez que aprenderem com os erros dos outros, toda a gente continua a repetir os mesmos erros. E assim, a exportação de revoluções, desta vez 'democráticas', continua.”

A Rússia, ao admitir os erros feitos pela União Soviética, envia a mensagem de que a Federação Russa difere da USSR (ainda que se comporte de um modo similar): não é ideóloga, é pragmática; um estado que busca lucro. Não obstante, tem razão quando compara a obsessão soviética em disseminar o Comunismo com a obsessão Ocidental (especialmente dos EUA) em disseminar a Democracia (que não é exactamente uma solução universal).

“Não posso deixar de perguntar àqueles que provocaram esta situação: vocês agora percebem o que fizeram? (..) Políticas baseadas na vaidade, na crença da sua própria excepcionalidade e impunidade jamais foram abandonadas.”

Diz o roto ao nú. A Rússia já se apercebeu do que fez no Médio Oriente (desde o pós-guerra), em África, na América Latina, na Ásia e agora na Europa do Leste? A Rússia apercebe-se do que está a fazer para aumentar a sua venda de armas? As políticas russas também são baseadas na vaidade, na sua “excepcionalidade” e impunidade – por isso, esta foi talvez a declaração mais hipócrita de todo o discurso.

“Agora é obvio que o vácuo de poder criado em alguns países do Médio Oriente e do Norte de África levou à emergência de áreas anárquicas, que imediatamente começaram a ser preenchidas por extremistas e terroristas.”

É verdade. Mas quais foram as soluções apresentadas pela Rússia na altura? As do costume: deixa lá estar o ditador, deixa que ele continue a matar a sua própria população, deixa-os matarem-se uns aos outros sem interferência externa (assim poderemos vender armas aos militantes no mercado negro e fazer um balúrdio). Apontar dedos é bom quando se apresentam soluções viáveis; mas quando não se o faz (porque se quer garantir que o seu povo não recebe ajuda externa para derrubar o seu regime), perde-se o direito de fazer acusações.

“Não se deve brincar com, ou manipular, as palavras”

O sabor agri-doce da hipocrisia (Ref: Lei Internacional). Neste debate, Vladimir Putin tentou manipular as mentes dos líderes do Médio Oriente e do Norte de África (uma característica bastante soviética) que sentem que o rapprochement entre a América e o Irão poderão ameaçar os seus interesses nacionais e, agora, a Rússia está a tentar atraí-los para o seu campo – inclusive os Curdos.

Culpar o Ocidente pela Ascensão do ISIS
“Dezenas de milhares de militantes estão a lutar sob a égide do tal 'Estado Islâmico'. As suas fileiras incluem militares iraquianos que foram expulsos após a invasão do Iraque em 2003.”

Sim, o ISIS foi controlado por homens do regime do Saddam Hussein que planearam uma insurgência quando os EUA não foram suficientemente sábios no modo como lidaram com eles (e arriscam repetir o mesmo erro com al-Assad); mas o que fez a Rússia para evitar a ascensão do ISIS? De certo, aqueles homens recorreram aos russos para comprarem armas, e quanto é que a Rússia ganhou com o negócio? Em vez de fazer acusações, a Rússia deveria usar o pódio da UNGA para explicar o seu real papel nos presentes eventos mundiais.

“Seria igualmente irresponsável tentar manipular os grupos extremistas e colocá-los a seu serviço para atingir os seus objectivos na esperança de mais tarde 'lidar com eles', ou seja, liquidá-los mais tarde.”

Uma confissão mascarada de acusação? A Tchéchénia vem-nos à memória.

Rússia no Combate ao Terrorismo
“Infelizmente, a Rússia não é excepção, não poderemos permitir que estes criminosos que já sentiram o cheiro do sangue, retornem a casa e continuem as suas actividades maléficas. Ninguém quer que isto aconteça, não é?”

Claro que não. Mas quando o Presidente Putin pediu aos Imans para ajudar “estes criminosos que sentiram o cheiro do sangue” a deporem as armas e a regressarem a uma vida normal: o que é que ele quis dizer com isso, se aparentemente eles não poderão regressar a casa sob pena de “continuarem as suas actividades maléficas”? O Presidente russo não só justificou as suas políticas domésticas em relação às comunidades e regiões muçulmanas, como também defendeu que os muçulmanos ficassem no Médio Oriente – daí os seus planos económicos e de reconstrução para evitar a migração islâmica para a Europa.

“Hoje, providenciamos assistência militar e técnica tanto ao Iraque como à Síria que combatem grupos terroristas. Pensamos ser um enorme erro negar a cooperação com o governo sírio e as suas forças armadas, que corajosamente lutam contra o terrorismo cara-a-cara. Deveríamos finalmente reconhecer que somente as Forças Armadas do Presidente Assad e a Milícia Curda combatem verdadeiramente o Estado Islâmico e outras organizações terroristas na Síria.”

Brilhante e directo. A inclusão da “Milícia Curda” é uma carta de intenções: se a América não quer fornecer armas aos Curdos (y otras cositas más), a Rússia irá preencher o vácuo. Esta é a passagem mais interessante de todo o discurso.

“Os países muçulmanos estão a desempenhar um papel vital na coligação, mais ainda porque o Estado Islâmico não representa uma ameaça directa para si mas profana uma das maiores religiões do mundo com os seus crimes sangrentos. A ideologia dos militantes faz pouco do Islão e perverte os seus verdadeiros valores humanistas.” 

Terá o Pres. Putin tido acesso prévio ao discurso do Pres. Obama ou terão os dois concordado com a inclusão desta mesma passagem nos seus discursos? É praticamente uma citação. A não ser que a Rússia tenha acrescentado as palavras depois de ouvir Barack Obama.

A Crise da Migração
“Esperamos que a comunidade internacional seja capaz de desenvolver uma estratégia concreta para a estabilização política, assim como social e de recuperação económica, para o Médio Oriente. Assim não haverá necessidade para novos campos de refugiados.” 

A Rússia pretende trabalhar a nível político para encontrar soluções com outros parceiros (de certeza a China) para ajudar na recuperação social e económica do Médio Oriente – qual o papel que a Rússia vê Israel a desempenhar no meio disto tudo? De qualquer maneira, torna-se claro que o Sr Putin reconhece os perigos do fluxo de migrantes oriundos do Mundo Islâmico.

Crise da Ucrânia
“Primeiro, eles continuam com a sua política de expansão da NATO e a sua infraestrutura militar. (..) A integridade territorial da Ucrânia não pode garantida com ameaças e uso de armas. O que é necessário é uma reflexão genuina acerca dos interesses e direitos do povo da região de Donbass e o respeito pela sua escolha. (..) Este passos garantirão que a Ucrânia desenvolver-se-á como um estado civilizado (..)”

A Ucrânia agora não é um estado civilizado? Muito condescendente da parte do Pres. Putin. A Rússia ocupou a Crimeia violando, assim, a lei internacional; por isso deve enfrentar as consequências das suas acções – a expansão da NATO é uma dessas consequências. Se o Povo da região de Donbass se sente russo e quer fazer parte da Federação, então deve seguir os trâmites legais de modo a ver o seu território anexado pela Rússia.

Avaliação Final: um discurso agressivo que abordou vários temas mas que não explicou como é que a Rússia poderá fazer melhor que os, ou mesmo ser uma alternativa aos, Estados Unidos (e Ocidente). Perdeu a oportunidade de mostrar coragem política.


(Imagem Dowloaded de gadebate.un.org)

Comentários

  1. Olá, Max!
    O presidente Putin é um bazófias.
    Na sua célebre frase "a Rússia é o principal inimigo dos Estados Unidos", o Mitt Romney estava com um bom pressentimento quanto a política de Moscovo, não soube foi traduzí-lo nem explaná-lo inteligivelmente.
    Nem se pode dizer que o presidente Putim não dê um ponto sem nó, porque politicamente, o que ele faz é apresentar novelos emaranhados de verborreia, onde é quase impossível encontrar o fio à meada, senão vejamos: "a Rússia é um exemplo e conhecedor do mundo global" no entanto se não fora o gás e o petróleo seria somente um país de gente com escolaridade e exportadora de armas; "a Rússia não provoca conflitos", mas também não os resolve diplomaticamente pois esse é o seu niche para as AK47; "a Rússia ajudou a que houvesse paz no mundo devido a sua presença no Conselho Segurança" claro que sim, porque se Moscovo perdesse o seu lugar no CS perderia qualquer relevância e também sofreria muitas condenações clamorosas, pois assalta regiões que não lhe pertencem porque confia no seu direito de veto no CS da ONU.
    A Rússia de Vladmir Putin não apresenta soluções porque é um país na senda da consolidação do caos, do medo, da supressão de direitos dos seus cidadãos e do expansionismo gratuito.
    Putin é um ex KGB maníaco depressivo cujo carácter é digno de comparação com todos os ditadorzecos que a pala de dignificarem os seus países só proporcionaram e proporcionam espectáculos deploráveis: Hitler, Mussolini, Franco, Pinochet, Idi Amin Dada, Kony, Bokassa, Papa Doc, Mugabe, Afez Al Assad, Sadam Hussein, Bashar Al Assad, Omar Bashir, Yatollahs no Irão, Al Bagdade e etc etc etc.

    Boa análise, boss

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    Respostas
    1. Olá Lenny :D!

      "(..) a Rússia não provoca conflitos", mas também não os resolve diplomaticamente pois esse é o seu niche para as AK47"

      Exactamente.

      "A Rússia de Vladmir Putin não apresenta soluções porque é um país na senda da consolidação do caos, do medo, da supressão de direitos dos seus cidadãos e do expansionismo gratuito."

      Eita...

      Lenny, quanto a mim, a tua análise foi melhor do que a minha (muito melhor); por isso, obrigada pelo teu super comentário :D.

      Beijocas

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