Cenário Imaginário: Mediação entre Boko Haram e Nigéria



Poderá o conflito entre o Boko Haram e o Governo Nigeriano ser resolvido através da mediação e resolução de conflito?
Cristina Caravaggio Giancchini tenta responder a esta questão ao apresentar um cenário imaginário onde as duas partes se sentam à mesa para negociar a solução para o seu conflito. Irão ler acerca de conceitos interessantes como BATNA e Estratégias de Mediação.

Background
O Boko Haram (BH), um grupo baseado na nigéria, começou as suas operações em 2009. De acordo com o Global Terrorism Database (GTD), desde a sua génese até 2013 o grupo foi autor de 818 ataques terroristas. Desde 2009, a organização já matou mais de 6,000 pessoas e em Abril passado o Boko Haram raptou mais de 200 raparigas. 
O principal objectivo do BH é depôr o governo secular da nigéria e estabelecer um estado Islâmico com base na lei da Sharia, ainda que tivesse começado por fazer aquilo que agora é chamado de exigências secundárias: a "eradicação da pobreza, justiça, equidade, inclusão e redução da corrupção no país" (in Boko Haram, the Government and Peace Negotiation; by Prof. James B. Kantiok).
O principal objectivo do governo nigeriano é a estabilização do país ao combater as actividades do grupo (tendo o presidente Jonathan feito notar que o Boko Haram se "infiltrou tanto no governo como nas forças militares").

Ainda que muitos académicos sejam contra a negociação entre governos e terroristas (uma vez que "as negociações dão legitimidade aos terroristas e aos seus métodos, logo, minando os actores que buscam mudanças políticas através de meios pacíficos"[idem]); nós pensamos que no caso nigeriano devesse ser interessante entrar em negociações porque, tal como James Kantiok disse, elas "poderão eliminar as razões invocadas pelos insurgentes para fazerem uso de violência".

BATNA das Duas Partes
O BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement) do Boko Haram é a autonomia do governo central para os estados do norte da nigéria, para que se possa re-estabelecer o Califado Islâmico (já que o estabelecimento de um estado islâmico em todo os território nigeriano é extremamente improvável).  
O BATNA do governo nigeriano é dar amnestia aos elementos do Boko Haram e integrá-los nas forças militares e policiais. 
O BH, contudo, rejeita a oferta de amnestia porque "O que é que fizemos de errado? Pelo contrário, nós é que deveríamos conceder-vos um perdão,"[here]. O governo acusa o grupo militante de empatar as negociações já que a oferta cobre uma das exigências feitas (i.e. tratar do desemprego), como prova de boa fé. 
O mediador diz ao Boko Haram que o governo tem uma certa razão e que seria aconselhável retribuir o gesto. 

Após muita deliberação, o grupo militante decide que o seu espaço de negociação é o norte da Nigéria ter o seu próprio programa de educação islâmica e ver o governo satisfazer as suas exigências secundárias. 
O mediador vira-se para os representantes do governo e pergunta se eles concordam. O governo afirma que o seu espaço de negociação é satisfazer as exigências secundárias (i.e. diminuir os níveis de pobreza e corrupção; justiça, equidade e inclusão), mas rejeitando o programa de educação islâmica que – contra os interesses do governo – iria prejudicar a competitividade do norte da Nigéria. 

"Para ser eficaz, as estratégias e o comportamento de mediação têm de ser consistentes com a natureza do conflito, e os objectivos e interesses dos adversários e do mediador." -- Jacob Bercovitch in Introduction: Putting Mediation in Context

Estratégias de Mediação Sugeridas
Para mediar o conflito entre o Boko Haram e o Governo Nigeriano, poderiam ser empregadas as seguintes estratégias: 
- Facilitação: ajudar as partes a comunicar mais facilmente; facilitar a sua cooperação mútua (e.g. induzir o Boko Haram a aperceber-se da importância da reciprocidade ao dar algo em troca do sinal de boa fé do governo; e fazer com que este se comprometa a lidar com os agravos que conduziram o Boko Haram a agir em primeiro lugar).
- Integração: buscar pontos comuns (e.g. fazê-los aperceberem-se que ambos querem acabar com a corrupção, o desemprego, pobreza, buscando a igualdade etc e ver como podem trabalhar juntos para melhor atingirem esse objectivo). 
- Persuasão: oferecer soluções criativas para possam reduzir qualquer problema de comprometimento (e.g. explicar ao Boko Haram que ao relaxar algumas das suas exigências, tal como o programa de educação Islâmica nos Estados do norte da nigéria, irá garantir um aumento das taxas de desemprego já que esses estados poderão competir com os estados do sul da Nigéria, que os seus programas educativos devem incluir os estudantes não-muçulmanos e que  fazê-lo iria promover o desenvolvimento social e económico no norte da nigéria; explicar ao Governo nigeriano que se pode chegar a um compromisso: os programas educativos, nas regiões do norte, podem ser ajustados de modo a acomodar as comunidades islâmicas, ao mesmo tempo que se assegura os direitos dos estudantes não-muçulmanos). 
- Directiva: promover resultados específicos (e.g. sugerir que ambas as partes se concentrem, por agora, em resolver questões básicas como a corrupção, o desemprego e a pobreza; explicar ao Boko Haram que se continuar com a sua companha de violência irá ter consequências adversas, tais como a perda de apoio popular e de legitimidade; explicar ao governo as vantagens de satisfazer as exigências secundárias do grupo militante o quanto antes [i.e. dificultar a capacidade de recruta do grupo] e sugerir uma autonomia regional para os estados do norte, similar à sugestão feita pelo Yoruba Groups, de modo a se obter a tão desejada paz e estabilidade para a Nigéria). 

Conclusão
O conflito entre o Boko Haram e governo da nigéria (por agora, pelo menos) tem tido poucas chances de ser resolvido através da mediação e resolução de conflito devido à seguintes razões:
a) O grupo militante não tem uma estrutura organizacional que garanta um caminho para as negociações; significando que o governo não tem maneira de entrar em diálogo com ele (i.e. a estratégia de facilitação não se aplica)
b) O grupo militante não tem um líder específico que fale em nome do Boko Haram como um todo, devido à sua estrutura organizacional de célula. Logo, com quem é que o negociador é suposto negociar?
c) Os elos do Boko Haram a grupos Jihadistas trans-nacionais (como a Al-Qaeda e o Al-Shabaab) podem ter diluído as exigências secundárias da organização nos objectivos mais alargados da Jihad Global; tornando qualquer possível negociação com o governo ainda mais difícil (i.e. quaisquer esforços de integração e persuasão seriam em vão)
d) A margem de manobra do governo nigeriano é limitada por razões políticas: devido à sua relação com o Ocidente, negociar com terroristas seria visto como uma legitimização do terrorismo em geral (especialmente quando os EUA e a UE, vitais parceiros de trocas comerciais, estão ainda a travar um combate contra o terrorismo).
Apesar das limitações acima descritas, a vantagem da mediação, neste caso, seria (através do uso das estratégias de persuasão e directiva) levar o grupo militar a expôr as suas reais intenções – já que os objectivos do Boko Haram parecem estar deliberadamente convolutos; isto é, querem islamizar a nigéria mas quando lhes convém invocam as exigências secundárias, facilitando a recruta de novos membros. 

Imagem: Logotipo do BH (fonte: Google Imagens)

Comentários

  1. Olá, Cristina!

    Quanto as agremiacões do mal, deve-se aplicar uma única via: caçá-los e abatê-los; eles irão entender pois fazem o mesmo aos inocentes que não são tidos nem achados nessas encruzilhadas provocadas pelos países árabes para atrasarem a marcha de África.

    Quem não respeita a vida e os direitos dos seus concidadãos, deve ser abatido: ponto final!

    Adorei o artigo, pois aprendi umas coisitas que desconhecia: obrigada!

    Um abraço e boa semana de trabalho!

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