Comentário: Discurso do PM Modi na ONU



O primeiro ministro indiano fez um discurso muito interessante que começou por ser uma declaração de que a Índia iria voltar a competir directamente com a China em mercados dominados pelo Dragão Vermelho (Ásia do Sul, África, América Latina). Também é interessante o modo como o sr Modi realçou certos países como o Afeganistão - como que sugerindo que a Índia poderá desempenhar um papel estabilizador naquele país (por oposição ao Paquistão, que ali tem desempenhado um papel mais desestabilizador). 

PM Narendra Modi
"Estou preparado para participar num sério diálogo bilateral com o Paquisão numa atmosfera pacífica, sem a sombra do terrorismo, para promover a nossa amizade e cooperação. Contudo, o Paquistão também deve assumir a sua responsabilidade, de uma forma séria, para criar um ambiente apropriado para isso."

A Índia está disposta a normalizar as relações com o Paquistão para que os dois países possam deixar o passado para trás e focarem-se no desenvolvimento económico dos dois povos. Mas o fardo não pode recair somente sobre a Índia, o Paquistão deve fazer a sua parte (i.e. parar de utilizar o terror como instrumento de política externa). Estará o Paquistão disposto a e capaz de fazê-lo?

"Ao invés, hoje, deveríamos pensar nas vítimas das inundações em Jammu and Kashmir. Na Índia, organizámos operações de ajuda às vítimas das inundações e também oferecemos assistência a Kashmir Ocupada pelo Paquistão."

A Índia sabe bem o que é ver parte do seu território usurpado por uma nação muçulmana (reparem como o PM Modi disse "Kashmir Ocupada pelo Paquistão" de modo tanto a piscar o olho a Israel - quem o PM Modi considera um amigo - como a fazer uma crítica à ONU que tem falhado constantemente na resolução de disputas territoriais, tais como as de Jammu & Kashmir ocupadas pelo Paquistão e Samaria & Judeia ocupadas pelos Árabes na Palestina). 

"Não há grandes guerras, mas tensões e conflitos abundam; e, há uma ausência de paz real e incerteza quanto ao futuro. Uma região Ásia-Pacífico integrada está ainda preocupada com a segurança marítima que é essencial para o seu futuro. A Europa enfrenta novos riscos de divisão. Na Ásia Ocidental, o extremismo e falhas estão a aumentar. A nossa própria região continua a debater-se com a ameaça desestabilizadora do terrorismo. África enfrenta tanto a ameaça do terrorismo como uma crise no campo da saúde."

Este sumário das crises mundiais é importantíssimo, já que promete uma nova era para a Índia: esta está preparada para se envolver mais nos assuntos internacionais. Também é uma indicação de que a Índia prevê uma economia doméstica saudável e prepara-se para se tornar um líder regional capaz de contribuir para a resolução de crises internacionais. 
A China não se pode dar ao luxo de estar demasiado confortável na região "Uma região Ásia-Pacífico integrada está ainda preocupada com a segurança marítima que é essencial para o seu futuro"...alianças estão a serem compostas (nota à parte: por "segurança marítima" também deverá ser entendido o problema de pirataria que afecta as trocas comerciais). 

"O terrorismo está a tomar novas formas e nomes. Nenhum país, grande ou pequeno, no norte ou sul, este ou oeste, está livre dessa ameaça.
Estamos mesmo a fazer um esforço internacional concertado para lutar contra estas forças, ou vemo-nos ainda impedidos pelas nossas políticas, divisões, a nossa discriminação entre países, a distinção entre bons e maus terroristas?"

O terrorismo é um problem global. A Índia é um dos alvos principais da Al-Qaeda (segundo o GTD, a Índia vem em 4º lugar na lista dos países com mais ataques terroristas em 2013) e o PM Modi coloca uma questão vital: quão sério estará o mundo na luta contra o terrorismo quando os nódulos que o alimentam permanecem intactos? 
(NB: "a nossa discriminação entre países, a distinção entre bons e maus terroristas" - esta é uma parte crucial do discurso do PM Modi já que suporta o seu argumento principal de que os países não podem lutar contra o terrorismo de forma eficaz enquanto, por conveniência política, olharem para grupos como o Hamas, o Hezbollah e Jaish-e-Mohammed como "os bons da fita, que travam a luta certa")

"Mesmo hoje, estados permitem a existência de santuários terroristas no seu território ou o uso de terrorismo como instrumentos da sua política."

Uma mensagem directa para o Paquistão; mas também para o Líbano, Qatar...

"Falamos de um mundo interdependente, mas tornámo-nos mais unidos enquanto nações? Hoje, ainda operamos sob os vários Gs com diferentes números. A Índia, também, está envolvida em vários. Mas, quão conseguiremos trabalhar juntos como G1 ou G-todos."

Excelente ponto de reflexão. 
Ainda que nós não acreditemos que os vários grupos Gs compitam com a ONU, sabemos que alguns se questionam se haverá um plano verdadeiramente coordenado e uma razão explícita para a existência de tais grupos G (que, verdade seja dita, complementam o trabalho da ONU devido à liberdade de movimento que a esta não tem). 

Em suma: o discurso do PM Modi foi mais um comentário com algumas críticas válidas, mas vazio de uma direcção concreta (qual a posição internacional da Índia exactamente?). Não obstante, abordou assuntos que assolam o mundo hoje (terrorismo, energia, desenvolvimento económico global etc); enviou mensagens importantes aos seus vizinhos (i.e ainda que a Índia seja pacífica e acredite no multilateralismo, não irá permitir que seja manipulada pela sua complexa vizinhaça); e também fez referência à segurança-cibernaútica (uma possível indicação de que nem tudo vai bem no paraíso BRICS).
De um modo geral, foi um bom discurso ainda que excessivamente diplomático - o que contradiz um pouco o aumento da despesa e P&D militares, e a clara ambição política indiana na arena internacional. Talvez um estilo de oratória diferente?


(Fonte da Imagem: Galeria de Fotos da ONU)

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