Sexy - Conto Parte III

Retrato de uma Mulher - Giuseppe Abbati

MARIA JOSÉ : Eu sou menina...
Os olhos embasbacados dos dois irmãos desabaram sobre a menina Maria José que, perante a reacção dos manos, desatou num pranto desalmado.
O padre estupefacto tentou acalmá-la mas não sabia o que fazer às mãos, pois receava tocá-la, então primeiro ofereceu-lhe um copo de água com açúcar, depois pôs-lhe ao dispor uma panóplia de chá de ervas enquanto repetia que tudo ir-se-ia resolver pelo melhor.

Embora, se estivesse perante mais uma dor humana e, o desconforto estivesse claramente escarrapachado na cara do Jorge, este achou que aquela menina estava a forçá-los a sentirem pena da sua condição. Como tal e aproveitando esta pausa de descontrole emocional, começou a inspeccionar as sua mãos numa total demonstração de indiferença.
O padre, coitado, que ainda por cima fora assaltado pela dúvida, estava agastadíssimo com a situação, e ao mesmo tempo questionava-se sobre validade do facto de querer, desesperadamente, resgatar uma alma, se tal atitude da sua parte não o haveria conduzido a cometer uma imprudência de consequências imprevisíveis; pois convidou para um encontro de família uma mulher tão psicologicamente debilitada.

Jorge conhecedor do significado das expressões faciais do seu irmão e, como entre eles se encontrava a inconsolável menina Maria José; sem dar nas vistas, o maninho do padre – fez o que sempre fizera desde miúdo – esticou a perna e tocou-lhe no pé para o confortar. O padre que estava cabisbaixo com a sua cabeça apoiada sobre o seu punho, ergueu-a ligeiramente e sorriu em direcção a seu irmão e este retorquiu piscando-lhe o olho.
Maria José enquanto enxugava as suas pesarosas lágrimas também se assoava estrondosamente, gastando quase uma caixa de tissues Kleenex, aroma de sândalo, que é uma das provisões semanais enviadas ao padre por sua mãe. Revelando-se mais calma, enxugou as sua lágrimas com a palma das mãos, a réstia do muco que espreitava pelas suas narinas foi inspirado e depois de se recompôr desabafou :

MARIA JOSÉ : Eu sou uma mentirosa, e estou a ficar engasgada nas minhas falsidades.
PADRE JESUALDO: Se deseja confessar-se, acho melhor voltarmos ao confessionário.
JORGE: Por quem soís, eu retiro-me; por favor estejam à vontade.
MARIA JOSÉ: Não é bem confessar-me, eu necessito de alguém que me oiça, senhor Jorge pode ficar se assim o desejar, por favor não se retire por minha causa.
PADRE JESUALDO: Mas, que tipo de mentiras é que costuma dizer?
MARIA JOSÉ: Deixei que todos lá no meu emprego tivessem uma imagem errada acerca da minha pessoa. Por exemplo, estão todos convencidos que eu sou uma devoradora de homens.

O padre estava chocado, custava-lhe a crer que uma mulher daquela envergadura pudesse sustentar uma mentira acerca de algo que nem sequer é dignificante. Mas, seu irmão esclarecendo o assunto disse:
JORGE: Waldo, vê se percebes; ela está a dizer-nos que a observância do pudor que outrora existia entre as mulheres caíu por terra, ou seja, acabaram-se os sussurros e a cumplicidade que partilhavam entre elas. Hoje elas discutem as suas frustrações nos bares com um copo de álcool na mão em directa competição com os homens.
PADRE JESUALDO : Estás a dizer, que as mulheres fazem questão de agitar bem alto a bandeira da canalhice e comportamento indecoroso canalha, com o intuíto de provarem a sua emancipação?
MARIA JOSÉ : Padre, eu tenho trinta e cinco anos, milito num círculo constituído por pessoas tristes e, como se não bastasse também cultivam-se da arte do nada e expressam distorções. Agora imagine, como seria dissecada a minha virgindade? Vossemecê pode crer que até o auxiliar – numa pura atitude de troça – achar-se-ia no direito de se insinuar à minha pessoa.
 
O padre meneou a cabeça esboçando incredulidade, e disse-lhe que ela era demasiadamente cruel para consigo própria, porque ninguém no seu juízo perfeito troçaria de um estado de pureza. O seu irmão afastou ligeiramente a cadeira da mesa, cruzando a perna sorriu de soslaio e disse :
JORGE : Meu irmão, quando se chega aos trinta e cinco anos virgem, é uma aberração. Porra, é quase uma ofensa contra o Criador.

Padre Jesualdo escandalizou-se e gritou com seu irmão dizendo :
PADRE JESUALDO : Estás terminantemente proibido de evocar o Nome de Deus, que sacrilégio !
JORGE : Waldo, não fiz nada para te ofender, e acredita que Deus é um Espírito pleno de humor, e não precisa que tomes a Sua defesa num assunto tão ridículo. Agora, faz favor de reconheceres, que a condição desta mulher é aberrante.
PADRE JESUALDO : Porquê ? A castidade não é nenhuma pessonha! E além do mais a Maria terá o seu momento quando encontrar o homem da sua vida.
JORGE : Não tens o direito de iludir a Maria. A mulher está…. encalhada.
MARIA JOSÉ : O pior é que o senhor Jorge tem toda a razão. O padre sabe que há dois anos arranjei um namorado, quando ele descobriu que eu era virgem, evaporou-se no ar.

O padre sentiu que ele e todo o corpo da Igreja haviam falhado redondamente, porque não conseguiram incutir nos seus fiéis a importância da castidade até às núpcias. E com a voz embargada perguntou ao seu irmão :
PADRE JESUALDO: Como é possível que a Virtude de um momento para o outro se tenha transformado em algo tão desprezível ? Não estás abismado com o rumo que o mundo está a tomar?
MARIA JOSÉ: Como vê eu estou neste mundo, e, não me sinto parte integrante do mesmo, por me estar vedado aquilo que qualquer um tem acesso - o sexo, senhor padre, o sexo. E por favor não divague mais, não vá o mundo entretanto desabar e, contra a minha vontade eu tenha de regressar à "Casa Paterna" sem ter conhecido os prazeres da carne.
JORGE: Calma já falaremos do seu caso. Mas, Waldo o estado virginal obrigatório até ao matrimónio não pode ser tratado como se fosse um item Kosher, nem tão pouco como se fizesse parte dos Dez Mandamentos. A castidade das noivas foi uma invenção dos homens num momento de insegurança e a Igreja cometeu a grosseria de adoptá-la e transformá-la num conceito universal.
PADRE JESUALDO: Acho que não deves especular sobre assuntos que desconheces, e já te avisei para teres tento na língua, não tarda nada, estás a cometer o pecado da blasfémia.
MARIA JOSÉ: Senhor padre sabe porquê que as Igrejas andam vazias ? Por causa de pessoas como vossemecê. Pela última vez, eu estou sem saber o que fazer, estou desesperada !
JORGE: Para começar, perca peso, e reavalie o seu guarda-fatos, começando por jogar fora essas roupas tipo "la  putana". Decida bem o que quer, porque a senhorita é um somatório de equívocos emocionais à mistura com algumas derrapagens hormonais.
PADRE JESUALDO: A menina Maria já está desesperada o suficiente, por isso pensa duas vezes antes de accionares a boca.
JORGE: Como ninguém está livre de vir a ser um estrangeiro algures, é primordial que mude de comportamento. Por exemplo o seu departamento é altamente sensível, razão mais que suficiente para o trato com terceiros (estrangeiros) ser prazeroso. Nunca trate os estrangeiros como se fossem um estorvo. Faça uma catarse dos seus maus humores, pela simples observação da predisposição que os emigrantes adoptam para se submeterem a humilhações de toda a sorte. Se tiver que negar um visto ou uma residência, porque a lei assim o determina, faça-o, mas assumindo uma postura de compaixão sempre acompanhada de um sorriso apropriado. Assim, o emigrante entenderá melhor a sua atitude.
PADRE JESUALDO: Ele tem toda a razão, o segredo é aprender a gerir as atitudes.
MARIA DE JESUS: Falar é fácil, gostaria de vos ver no meu lugar.
JORGE : Senhorita, todas as pessoas que têm tendência para cultivar sentimentos mesquinhos, como o racismo, xenofobia, inveja, ódio, auto-comiseração etc. São susceptíveis de sofrer doenças na alma que depois se reflectem na aparência externa dessas pessoas.

Jorge muito delicadamente, tentou explicar que se ela persistisse em não resolver as suas tensões emocionais, era escusado tentar melhorar a sua aparência física. Fez-lhe compreender que deveria recorrer aos serviços de um psicólogo para a acompanhar durante o processo de renascimento. Acerca da sua mentirinha disse-lhe que deixasse de repeti-la aos outros, e, que a única maneira de ela sortir efeito era usando-a positivamente na sua meditação. Quanto á sua virgindade, concluiu que ela era a responsável pelo afastamento dos potênciais namorados porque ela não cultivava a auto-estima, e era alguém que não estava interessada em ser livre e a aprender a ser feliz .

[VOZINHA: Este homem não é exactamente um George Clooney, por isso não lhe admitas que te chame gordalhufa e ainda por cima feia. Não lhe dês essa confiança!]
MARIA JOSÉ: Estou farta, de ouvi-lo chamar-me gorda, e da sua petulância em presumir que tudo na vida é uma questão de querer.
JORGE: Waldo diz-lhe, que tudo nesta vida é um acto de fé ; e que para alcançar algo há que crer e querer.
MARIA JOSÉ: Vossemecês bem que podem falar, nenhum de vós é mulher; eu tentei tudo, mas, tudo mesmo!
JORGE: Diga-me uma coisa, alguma vez amou ?
[VOZINHA: Que golpe baixo!]

Maria levantou-se da cadeira, foi buscar um copo de água porque a sua boca secou como por magia. Depois de bebê-la, passou a língua pelos seus lábios para os humedecer. Esteve encostada ao lava-loiças, por uns momentos, quase inerte, de olhos completamente marejados e num tom magoado disse:
MARIA JOSÉ: Vim em busca de ajuda e não de humilhação. Como posso ter amado alguém, se o meu problema é exactamente nunca ter achado ninguém ?
PADRE JESUALDO: Minha filha, por favor abstraia-se da sua virgindade; dê crédito a si própria e por uns breves instantes instrua ao seu íntimo para bloquear os impulso de carácter sexual. Escute lá, não é possivel que nunca tenha amado? O amor é um campo vasto, que assume vários formatos e, de certeza que você já fez uso de alguns!
MARIA JOSÉ: Ah! Já podia ter dito, gosto da minha família, dos meus amigos e de alguns colegas...
JORGE: ...do gato, do cão…..Ó meu S. Jorge! Esta mulher não existe!  Senhora!!!! Gostar não é nem nunca foi amar. Gostar é isso mesmo, é  gostar, é ter a capacidade de se rodear com o escudo da indiferença, é algo impessoal, é qualquer coisa como se não me incomodares, eu farei o mesmo por ti, em suma é um iceberg emocional á deriva, movido por um corpo supostamente quente.
[VOZINHA: Outro lunático, é dos tais que só fala. Aposto que é um gay armado em intelectual espirituoso.]
MARIA JOSÉ: O senhor é casado ?


Última Parte para a semana que vem...

Comentários

  1. LOL LOL LOL

    Olá Lenny,

    Até tenho pena da Maria José; mas adoro o Jorge. Adorooooo!!

    Beijocas

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  2. Olá, Max!

    Bem-vinda ao trabalho; espero que que tenhas tido umas férias repousantes!

    Ainda bem que gostas; mas, estarei de volta com a página habitual, daqui a duas semanas :)

    Bom fim-de-semana, minha linda!

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  3. Oh-oh...a mulher está-se a atirar ao jorge? Espero que ele não caia por esse limão, chiça!

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  4. Olá, Anónimo!

    Vejo que voltou, a última parte é esta semana; após a qual, convido-o a voltar para falarmos de política nacional :)

    Um abraço!

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  5. Virgem aos 35, que aberração! Mas explica muita coisa, coitada da não-sexy...bem, vou para o episódio seguinte. Lenny, não lhe perdoo se pôs estes dois a casarem!

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